Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


17-09-2014

Arqueólogo Cláudio Torres, investigador das culturas do mundo árabe e mediterrân


Li uma extensa entrevista que vos aconselho a ler pelo menos  duas vezes, porque nos esclarece sobre um presente que já o foi no passado! e com o qual os ibéricos tem algumas afinidades.

Arqueólogo Cláudio Torres, investigador das culturas do mundo árabe e mediterrânico,diretor do Campo Arqueológico de Mértola (CAM), em entrevista sobre os estilhaços da Primavera Árabe

 

A fragmentação da Síria e do Iraque. O eternizar da guerra na Palestina. O choque de interesses no Médio Oriente entre a Arábia Saudita, Israel e Irão. A criação do nono Estado Islâmico. A barbárie que todos os dias nos entra em casa pela janela televisiva. A ameaça de ataques terroristas na Europa. E, mais recentemente, a grande campanha de jovens jihadistas pela reconquista do território do Al Andaluz, que corresponde na generalidade à Península Ibérica, são os pontos de partida para esta grande entrevista com Cláudio Torres, arqueólogo, diretor do Campo Arqueológico de Mértola (CAM). Um verdadeiro laboratório sobre o passado islâmico na Ibéria que hoje está financeiramente “bastante mal”, embora sempre preparado para “novas aventuras”.

Entrevista de Paulo Barriga, publicada no Diário do Alentejo  http://da.ambaal.pt/noticias/?id=6314

 Transcrevo só a parte da entrevista  que se refere aos povos dos hemisférios Norte e Sul do Mediterrâneo, onde se incluem os povos ibéricos e a pergunta que cita a metade de Portugal que tem muito do legado islâmico, sendo que a outra metade, o Norte , é a do Portugal com afinidades com a Galiza.

Diário do Alentejo,Paulo Barriga: Hoje em dia quase que existe uma espécie de muro a separar os hemisférios Norte e Sul do Mediterrâneo. De onde advém esta falta de compreensão e de adaptação mútuas entre povos que durante milénios partilharam o mesmo caldeirão cultural?
Arqueólogo Paulo Torres: Historicamente os habitantes das margens norte e sul do Mediterrâneo sempre pertenceram às mesmas famílias e à mesma cultura. Depois do desmembramento do Império Romano e da formação na Europa e no Magreb de vários países, o Mediterrâneo continuou a ser a grande plataforma comum para os intercâmbios comerciais e culturais até aos movimentos militares da Reconquista, a partir do século XII. Sob a capa de um movimento religioso, Roma tenta reconstituir o império assimilando todo o Mediterrâneo e cristianizando o Sul muçulmano. É neste contexto que decorre a Idade Média e que se afirma no Sul, como reverso da medalha, o Império Otomano. A sua derrota nos tempos modernos motiva a ocupação colonial de todo o Sul, transformando todos estes países em simples apêndices da Europa capitalista. A violência desta ocupação é bem patente na Guerra da Argélia que praticamente se arrastou até aos nossos dias. Não podemos esquecer que a ocupação política, económica e cultural de todos estes países pelas potências coloniais, sobretudo Inglaterra, França e Estados Unidos, durou praticamente até aos nossos dias. Não é portanto de admirar que os movimentos de libertação colonial ainda não tenham chegado ao fim.

Diário do Alentejo,Paulo Barriga: Em Portugal, pelo menos nos territórios mais a Sul, é natural existir alguma proximidade em relação aos países ditos árabes. Ainda este fim de semana decorre em Castro Verde um festival denominado “Planície Mediterrânica”. São mais as coisas que nos aproximam ou mais as que nos separam destes povos?
Arqueólogo Paulo Torres:  Portugal é cortado mais ou menos na região de Coimbra por uma fronteira cultural que separa as regiões mediterrânicas das atlânticas. Portanto, as zonas meridionais do nosso País estão incluídas no Mediterrâneo, onde a maioria da população era muçulmana. Hoje a investigação histórica e arqueológica tem vindo a desvalorizar a invasão militar de 711 como causa da islamização, destacando um imparável movimento de conversões a partir do século X. As nossas identidades com o outro lado do Mediterrâneo devem-se não apenas ao facto de todos nós já termos sido muçulmanos, mas sobretudo por todos pertencermos ao mesmo passado comum de hábitos culturais, de gestos e saberes.

 http://da.ambaal.pt/noticias/?id=6314