Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


10-06-2014

MINAS E SEUS CASOS de Olavo Romano ÚLTIMO RECURSO


Literatura brasileira"MINAS E SEUS CASOS" de Olavo Romano   Ática 1984Ilustrações de Zélio, irmão do Ziraldo
ÚLTIMO RECURSO pags 10 a 13Lembrando José da Beta,seresteiro de CurveloEnquanto não chegava a hora de ligar o rádio no programa caipira, uns escoravam no balcão, outros de cócoras, pitavam seu palheiro, de vez em quando alguém entrava querendo sal, querosene ou bicarbonato. O comprador saudava o pessoal, escutava a prosa, espichava a presença antes de pedir o que queria.
A conversa, quase sempre mais silêncio que assunto, era entremeada com "huns" e "ahns", olhares e abanos de cabeça. Já tinham falado do tempo, da plantação, da falta de dinheiro e da vida alheia. Chegando o Hilarino, a prosa desguiou pra pescaria. Ele contou que contou vantagem, papeata de não acabar mais. Todo mundo achou graça, mas o assunto caiu naquele ponto que depois morre. Nisso entra o Necésio, filho mais velho do Tião Gomide, outro que dava a vida por uma pescaria. Então alguém pergunta:
_ E ontem, Necésio, comé que foi? Pegaram quantas?
_Voltamo sapateiro.
_Não pode!? Ondé que ocês foram?
_Na lagoa Grande.
_E não pegaram nada? Diz-que lá anda danado de bom!
_É. Mas ainda botei as mão pro céu de chegar vivo aqui.
O rapaz foi contando, dum jeitão esparramado, muita gesticulação, parecia que a gente via o que ele ia falando:
_Eu mais o pai tava descendo pra lagoa, o tempo prometia, aquela esperança de trazer muita traíra. Sabe ali no ipê amarelo? Pois é. Eu ia na frente distraído, meu pai atrás. De repente, quando chegou perto do ipê, ele deu aquele grito: _"Cuidado, menino! Olha a Fumaça!"
A vaca tinha acabado de parir, quase pisei no bezerro, assim dum lado do trilho, ainda tava molhado. A mãe andava em roda, bufava, berrava, vinha e voltava, não sabia se espaventava a gente ou se tomava conta da cria. Quando parecia que ia sossegando, deu uma corrida no nosso rumo. Eu, mais que depressa, subi numa árvore.
_E seu pai?
_O pai, coitado, mal deu conta de entrar numa moita fechada, perto da árvore que eu tinha subido.
_Aquela moita de esporão?
_Ela mesmo. Quando dei fé, olha o pobre do pai enfiado lá dentro, nem sei como conseguiu.
_É o aperto uai. É o que faz o sapo pular.
_Aí eu fiquei espiando a vaca, trepado numa forquilha lá no alto. Ela olhava pra cima, tirava uma linhada na moita, lambia o bezerro, parece que amansava. Pastava ali em roda, até que sossegou.
_E o Tião?
_Continuava lá na moita. Eu via o sol baixando, pensava na trairama na flor d'água, era só jogar o anzol, e a gente ali, feito bobo. Então resolvi experimentá descer da árvore.
_A vaca te pegou?
_Fez que ia caminhar pro meu lado, ficou me olhando, me estudando. Fingi de duro, peguei um porretinho, ela acabou desistindo. Chamei o pai, ele falou que não dava pra sair, arranhava no esporão. Pedi pra ele ao menos tentar. Escutei barulho na moita, logo ele começou esbravejar. Saía tudo quanto era palavrão, ficou mais lanhado ainda, não adiantava teimar. Um tempo bom daquele, não tinha cabimento a gente desperdiçar a tarde toda assim.
_E aí?
_Dei mais um prazo, tornei a insistir. Falei que não era possível passar o resto da vida dentro de uma moita de espinho. De tanta raiva, ele falou que se fosse preciso passava. Lembrei que, se tinha entrado, havia de sair.
_E ele?
_Respondeu que só entrou porque atras dele vinha uma vaca desatinada de brava, pra salvar a pele não teve outro remédio. Eu esperei, esperei, já ia desacorçoando, não via saída pra situação. De repente, lembrei do pai entrando no espinheiro, coitado, aquele medão da vaca. Aí me veio a idéia. Como não tinha outro recurso, o jeito foi botar a tal idéia em prática, quê qu'eu havia de fazer?
_E o que foi que ocê fez?
_Taquei fogo na moita, uai!
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