JOÃO CAETANO E MÔNICA VILLELA GRAYLEY
O português não tem ainda suficiente peso internacional por ausência de uma política eficiente para a língua
SEGUNDO O filósofo alemão Peter Sloterdijk, "quando uma língua morta não quer expirar, mas manter-se em vigor como língua mundial, mostra-se assim com que poder os espíritos do império atuam".
Em 1989, Francisco Moraes Sarmento escreveu, na revista "Leonardo", que "a língua portuguesa morreu e está transformada numa língua de escravos, servos e bárbaros", discordando da proposta do Acordo Ortográfico, na qual via a perda de poder e influência de Portugal em relação ao Brasil.
Vinte anos depois, o Acordo Ortográfico continua a despertar discussões calorosas, não só em Portugal mas também na ex-colônia portuguesa das Américas.
Num artigo publicado na "Gazeta do Povo", em 2007, Carlos Alberto Faraco defendeu o Acordo de forma apaixonada, prevendo o processo de internacionalização da língua, considerando inaceitável que o dicionário "Houaiss", para poder circular em todos os países de língua portuguesa, tivesse de ser editado em duas versões ortográficas.
Muitos, no maior país de língua portuguesa do mundo, veem no Acordo a chance de se adaptarem às mudanças e à dinâmica de uma língua falada todos os dias, do Ocidente ao Oriente, por oito nações diferentes.
A política da língua moderna é uma política de mapeamento contra condições políticas e econômicas mutativas, o que significa que é preciso compreender como a língua se relaciona com os novos fluxos de capital, mídia, tecnologia, cultura e pessoas numa esfera globalizada.
Este é o ponto-chave: as razões econômicas, sociais e culturais, outrora consideradas "baixa política", são hoje fulcrais para se perceber de que modo o mundo muda e, assim, se afirmar, no plano político, a cooperação.
No seu livro "O Português no Brasil", Antonio Houaiss estabelece as "diferenças" entre o português brasileiro e as demais variantes dos países de língua portuguesa, principalmente a variante de Portugal. Sem utilizar a expressão "política da língua", ele defende a criação de medidas "em prol da nossa língua" (itálico nosso).
No último capítulo do livro, lançado em 1985, Houaiss advoga a concretização de "uma língua comum" como fator de incremento da convivência humana, em que o português desempenha, estrategicamente, um papel importante.
Mas o português não tem ainda suficiente peso internacional, ao contrário do que se passa com outros idiomas, por ausência de uma política eficiente para a língua.
No estudo "Internacionalização da Língua Portuguesa", coordenado por Carlos Reis, afirma-se que "a projeção internacional da língua portuguesa não corresponde, neste momento, à dimensão do seu universo de falantes", definindo-se a internacionalização como um "processo eminentemente político de afirmação", capaz de "garantir e reforçar o prestígio de uma grande língua de cultura".
A declaração da ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, proferida em 1999, de que, na sua vida, "todos os problemas da Grã-Bretanha foram originados pela Europa continental, mas [que] todas as soluções partiram dos países de língua inglesa", é clara alusão ao papel da língua de Shakespeare nas relações de poder e à influência daí decorrente.
Língua e poder relacionam-se. O reconhecimento do estatuto de uma língua é medido não só pelo número de falantes mas também pelo espaço que ela ocupa no cenário internacional, contando as transações comerciais que são realizadas nessa língua (incluindo os eventos culturais e todas as boas ideias -não nos esqueçamos da magistral invenção americana do show business: nada como uma boa ideia bem concretizada, mas, se essa ideia der dinheiro para investir em novos projetos, melhor ainda) e a sua utilização nas diversas organizações internacionais.
O fa(c)to de o português ser uma língua comum a vários países tem facilitado o comércio do Brasil e de Portugal, e este mostra um interesse especial no Brasil, visando fortalecer as suas relações com a União Europeia.
O Brasil antecipou-se ao apoio à internacionalização do português pela CPLP, em julho passado, ao anunciar um plano para a criação de uma universidade da comunidade dos países de língua portuguesa, o que foi feito pelo ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, durante uma visita à Guiné-Bissau.
Na mesma altura, em Portugal, o Conselho de Ministros aprovou uma nova estratégia para a promoção do português, que teve o apoio do presidente da República, Aníbal Cavaco Silva.
E agora? Nos países onde se fala português, sejam eles grandes ou pequenos, não faltam pessoas de grande mérito, à escala mundial. Essa é a certeza de que faz sentido promover inteligentemente a língua portuguesa, mesmo se essas pessoas falam bem outras línguas. O português defende-se com bons argumentos, onde quer que seja falado.
JOÃO CAETANO , 39, professor de direito e ciência política, é pró-reitor para o Reordenamento Institucional da Universidade Aberta, Portugal.
MÔNICA VILLELA GRAYLEY , 40, é mestre em linguística e ciência política e doutoranda em ciência política.
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