Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


15-09-2004

Triângulo Mineiro é notícia


O Triangulo Mineiro possui uma das maiores riquezas culturais do nosso pais. E uma região riquíssima em acervos culturais públicos e particulares.

Este um espaço dedicado ao Triângulo.

Escreva –nos que nós publicamos

A vocação mineira do Triângulo
Antônio de Paiva MOURA*

Muitos fatores concorreram para o povoamento do território do Triângulo Mineiro e do Alto Paranaíba, a mesopotâmia do Brasil Central, isto é, território limitado por dois caudais de grande vulto; o Paranaiba e o Rio Grande, que ao se encontrarem formam o vértice do triângulo.

 

O escasseamento das minas do Campo das Vertentes, de Ouro Preto e Sabará despertou a atenção para outras terras. Da Comarca do Rio das Mortes e de Pitangui abriram as chamadas Picadas para Goiás. O certo é que havia uma picada que partira de São Paulo, a de Anhanguera, e outra que partira de Minas, mas que desembocava no lugar denominado arraial do Rio das Velhas (que não era o mesmo de Sabará). De desemboque partiam outros caminhos para Uberaba, Araxá, para as cabeceiras do São Francisco onde esteve o Anhanguera. Mas os paulistas tinham outras passagens mais a oeste, com destino a Goiás e pouco paravam em Desemboque. A metrópole através da Capitania de Minas Gerais tinha interesse em explorar ouro na região. "Foi no ano de 1736 que o guarda-mor Feliciano Cardoso de Camnargo, partindo do arraial de Tamanduá, hoje Itapecerica, em companhia de alguns sertanistas, no primeiro plano onde terminam os eriçados e agressivos sertões da Serra da Canastra, e daí em diante em direção ao sertão, começam os denominados chapadões, fundou modesta povoação que denominou Tabuleiro, entre 1737-1740, que foi destruída pelos índios caiapós, que massacraram os poucos habitantes existentes" (NABUT, J. A.1986; 22) Mais tarde Feliciano Cardoso Camargo volta ao mesmo local e funda o arraial de Nossa Senhora do Desterro das Cabeceiras do Rio das Abelhas, sob a invocação e patrocínio de Nossa Senhora do Desterro, tendo iniciado a construção de uma sólida igreja de pedra, terminada em 1754. a capitania de Minas criou dentro do território de Goiás o julgado de Nossa Senhora do Desterro das Cabeceiras do Rio das Abelhas (Sacramento) que abrangia todo o território do Triângulo Mineiro, fazendo divisa com o julgado de Paracatu do Príncipe. Apensar de contar com o interesse da metrópole no sentido de povoar por gente de Minas a região do Triângulo não se transfere imediatamente para Minas.

 

De 1762 a 1763 os goianos, por iniciativa do Padre Felix conseguem nomear autoridades para o julgado e assumir o controle da região para Goiás. Logo depois as autoridades de Goiás são depostas mas as questões de limites continuam duvidosas e sem solução. A 7 de outubro de 1811, em Araxá, com a presença do ouvidor geral, Dr. Joaquim Inácio Silveira da Mota, Desemboque ficou com o território de entre os rios Grande e Paranaíba (Triângulo Mineiro) e Santa Cruz, com o Resto de Goiás. Embora o tratado estabelecesse o limite do julgado, este continuava pertencendo a Goiás e não a Minas.

       Efetivamente, os moradores de São Domingos de Araxá, molestados com o governo goiano, pela criação de julgado daquele nome, no território de sua freguesia, aos 20 de dezembro de 1811, dirigiram a D. João VI um extenso requerimento, pedindo a desanexação dos dois julgados. - Araxá e Desemboque - da capitania de Goiás e sua imediata incorporação à de Minas Gerais. O rei, interessando-se pelo assunto, mandou, em 15 de março de 1815, que o governador de Minas o informasse a respeito. Três meses depôs, 15 de junho, o rei, suficientemente informado, ordenou ao tenente-coronel do Real Corpo de Engenheiros, Barão de Eschwege, notável mineralogista alemão, que fosse ao Sul para, falar das necessidades cuja satisfação se pedia . O relatório do cientista, bastante conhecido em Portugal e no Brasil foi inteiramente favorável aos requerentes.

 

"Em 1815, o dr. Joaquim Inácio Silveira da Mota, ouvidor geral da Comarca de Paracatu, indo a Araxá, formara à tarde, logo após o lauto jantar daquele dia, uma seleta e respeitável roda de palestra com os maiores do lugar, à praça da Matriz, onde fora hospedado principescamente. Naquele momento, em companhia de um pajem, passou a cavalo, indo de rua São Sebastião para a do Comércio, a formosa jovem Ana Jacinta de São José, a conhecida Dona Beijas. O ouvidor, tomado de violenta paixão amorsoa pela donzela, mandou incontinenti rapta-la. Consumado o crime, os parentes da vítima, sem demora, mas cheios de temores, promoveram o processo de régulo que, por força da sua alta posição social, seria julgado pelo governo de Goiás do qual era desafeto. Por isso, de sua parte, ele também se moveu a interceder a D. João VI, pela passagem dos julgados de Araxá e Desemboque para Minas, onde o seu julgamento seria, como efetivamente foi, coisa sem importância." (NABUT, 1986;144)

 

Ficção ou realidade, o certo é que por Alvará de 4 de abril de 1816 os dois julgados de Araxá e Desemboque desagregaram-se da capitania de Goiás e se incorporaram à de Minas Gerais, sob a jurisdição da Comarca de Paracatu do Príncipe, criada no ano anterior. E o Triângulo mais ligeiro do que se pensava, passou de Goiás para Minas. Na verdade o Triângulo tem início em Araxá e Sacramento. Do ponto de vista histórico o que mais interessa é a colonização de todo aquele vasto sertão, promovida pelas gentes mineiras desde muitas décadas atrás. Um decreto da Regência de 14 de julho de 1832 revela uma certa consolidação de posições no movimento migratório mineiro e, uma estabilização anunciadora da atual estrutura administrativa e judiciária do Estado.

       Os grupos indígenas que dominavam o Triângulo na época do desbravamento ofereciam resistência aos viajantes e colonizadores. Nas margens do Rio Grande localizavam-se os Boróros, os Araxás e os Cataguás. Nas vertentes do Paranaíba ficavam os Caiapós e os Inás. Os Caiapós não tinham habitação certa, mas dominavam extensa área do Triângulo e se estendiam pelo interior de São Paulo. (JOSÉ, O. 1965; 14) Desde o século XVII sofreram terríveis ataques por determinação da Coroa portuguesa através das bandeiras de apresamento que matavam os que resistiam. (1) Em 1746, D. João V determinou ao governador de São Paulo que contratasse Antonio Pires de Campos para "desinfecção" do caminho de Goiás, aldeiando, aprisionando e capturando as mulheres dos Boróros. (BARBOSA, W. A. 1971; 133) Tanto foram agredidos que passaram da condição de defesa para a de ataque por todo o caminho de Goiás, destruindo plantações, incendiando paióis e matando. Tornaram-se terríveis inimigos dos brancos. Em 1873 seguiu para o Triângulo, o mestre de campo português da Comarca do Rio das Mortes, Inácio Correa Pamplona, um dos delatores da Inconfidência Mineira, para dar combate aos índios Caiapós, nas margens do Rio Grande. Em 1820 ainda havia perto de mil Caiapós na freguesia de Uberaba. No início do século XX os remanescentes dos antigos grupos indígenas, inteiramente corrompidos pelos brancos, atuavam como facínoras no Triângulo, conforme documentação pouco explorada, constituída pelo fundo "Chefia de Polícia" do Arquivo Público Mineiro.


       Só não há conflito onde não há riqueza. A luta entre os próprios potentados pelo mando na região como a demanda de Inácio Correa Pamplona junto ao Visconde de Barbacena para apoderar-se da região. A luta contra salteadores brancos que afluíam de deive3rsas regiões. O jornal "Araguary", em sua edição de 28 de janeiro de 1911 diz que o crescimento demográfico do município e sua proximidade com o Estado de Goiás provocava aumento de criminalidade, sendo indispensável o aumento da força policial naquele município. O Triângulo faz fronteira com outros estados igualmente ricos como Matogrosso do Sul, Goiás e São Paulo. Na divisa de Minas com o então Estado do Mato Grosso, em 1908, a invasão de propriedade e as lutas entre facínoras, fazendeiros e comerciantes foram encaradas pelas autoridades como clima de revolução. As polícias do dois Estados não tiveram forças suficientes para pôr fim à onda de assassinatos em massa nos municípios de Santana do Paranaíba (Mato Grosso e Frutal (Minas Gerais) O assassinato de um empregado do Porto do Rio Paranaíba, Fortunato Pamplona, por Alcino Cuyabano, a mando do poderoso Oscar de Castro, possibilitou a descoberta de 12 outros assassinatos de responsabilidade deste mandante. Instaurado o inquérito, Oscar de Castro passou a recrutar todos os facínoras da região, planejando um ataque contra a polícia de Minas, partindo de Santana do Paranaíba (MT). O povo, alarmado procurava se defender adquirindo armas e munições. Em face obscuridade do intuito de Oscar de Castro, o batalhão de Uberaba resolveu considerar o fato como "revolução". Proibiu a venda de armas em todo o município. Somente a interferência do exército evitou o conflito armado. (MOURA, A.P. 1983: 53)

       Com o território pertencendo a Minas Gerais, foram feitas algumas entradas com direção ao vértice, como a do padre Cláudio José da Cunha que de 1818 a 1819 exerceu as funções de missionário na Aldeia de Santana do Rio das Velhas. Com ele viajou João Batista de Siqueira, o desbravador dos sertões do Triângulo, que nesse tempo era conhecido como Sertão da Farinha Podre. O historiador Pontes citando relatos do vigário Silva diz que "as riquezas da região compõem de lindas e extremíssimas Campinas e matas que produzem milho, feijão, arroz, cará, batata, cana, algodão, mandioca, anil, como em parte alguma se tem visto, sem que entretanto, o lavrador sinta o efeito de um trabalho pesado, pois que as campinas nas mesmas capoeiras são muito favoráveis. (...) Os campos viçosos durante maior parte do ano e os bebedouros salitrosos em quase todas as fazendas dispensam a salga do gado, que aqui se cria admiravelmente bem" (PONTES, 1970)

       As Criações de distritos, municípios e comarcas na região consolidam a presença institucional de Minas no Triângulo. Até 1840 a região tinha somente dois municípios: Araxá e Uberaba. Ao longo de um século, como o crescimento econômico e intenso povoamento esses dois enormes municípios foram-se desdobrando. Araxá, município e vila de São Domingos do Araxá, por decreto imperial de 13 de outubro de 1831, que engloba todo o Triângulo, de Uberaba até as divisas do Campo das Vertentes e do Alto Paranaíba. Começam os desdobramentos com a emancipação de Uberaba em 1836, por lei de 22 de fevereiro de 1936; emancipação de Patrocínio em 1840, de Rio Paranaíba em 1848, de Sacramento em 1870, de Ibiá, em 1923, de Perdizes e Santa Juliana, em 1938. Mais tarde começam os desdobramentos de Patrocínio, completando a configuração Atual do Alto Paranaíba. Começam os desdobramentos do município de Uberaba com a emancipação de Prata, em 1851, Frutal em 1888, Uberlândia em 1891, Campo Florido, em 1938, Conceição das Alagoas em 1938, Veríssimo em 1838 e Água Comprida em 1948. (COSTA, J. R. 1970) Em 2002 o Triângulo Mineiro conta com 35 municípios e o Alto Paranaíba com 31 municípios.

       A tríplice epopéia do milho, do zebu e do comércio. Desde as primeira décadas do século XX homens como Jacques Dias Maciel e Moacyr Viana de Novais entendiam que a fertilidade do solo de Patos de Minas merecia a associação de empreendimentos científicos e tecnologias como instrumento de multiplicação econômica. Em 1911 foi fundada a Escola Agrícola de Patos de Minas com auxílio da Prefeitura Municipal na aquisição da Fazenda Limoeiro que passou a ser laboratório da escola. Moacyr Viana de Novais realizou experimentos genéticos revolucionários com o trigo e com o milho, culminando com o famoso milho híbrido. Desde então Patos de Minas ficou conhecida como a "Capital do Milho", não só por sua extraordinária produção do rico grão mas também por ser o centro produtor de sementes mais importante do País. (OLIVEIRA MELLO, ..1992)

       Há muito já se pensavam em trazer para Minas o gado indiano. Francisco Sales tinha uma plano de diversificar as raças bovinas mais fortes, mais resistentes e capazes de enfrentar condições ecológicas difíceis. Na concepção de Sales deveriam ser avantajados em forma como o zebu. Descartava a raça Jersey porque cessada a produção de leite a rês tornava-se inútil. Ao contrário, o zebu tinha a conveniência de ser criado em condições e locais difíceis e era gado para exportação. Depois da segunda guerra mundial, dois uberabenses, Prata e Arnel Miranda foram à Índia e de lá trouxeram um carregamento de fêmeas e reprodutores de "nelore", "guzerat" e "gir". Imagina-se as enormes dificuldades enfrentadas e superadas: a longa viagem com animais confinados em navio; perigo de contaminação; animais considerados sagrados na Índia que só saíram de lá escondidos do povo, à noite em porto distante. Além disso, o gado seguiu em marcha de Santos a Uberaba. O cruzamento do "gir" com o "guzerat" resultou no chamado "Indubrasil" que durante muito tempo foi o campeão do gado de corte do Brasil. (TORRES, 1980; 1399)

       A cidade de Uberlândia nasceu com a vocação de cidade moderna. Ao contrário das cidades do ciclo do ouro que surgiram em colinas elevadas e das quais despencam ruas por ladeira abaixo, o sítio de Uberlândia é plano permitindo amplas praças e avenidas. Já na década de 50 apresentava forte tendência à verticalidade com seus edifícios de 20 andares na Av. Afonso Pena. No começo do século XX vai se despontando como capital regional por seu extraordinário comércio, como afirma o professor Durval Garcia, ao lado de ser um centro de fluxo e refluxo de toda a vida da região, incluindo Mato Grosso e Sul de Goiás, Uberlândia teve muita influência na construção da capital de Goiás, como posteriormente teria na implantação de Brasília. O término da estrada de ferro era em Uberlândia. A produção industrializada de São Paulo ou importada passada por Uberlândia, que tornou-se o maior centro comercial do Brasil Central. Embora a partir da década de 70 do século XX tenha crescido a atividade industrial; centro universitário e de prestação de serviços, Uberlândia ainda é notável por seu extraordinário comércio e que confere a ela a condição de capital regional interestadual. (CAETANO, 1988; 10).

 

 NOTAS

(1) - Quando se dirigia para Goiás, o Conde de Sarzedas baixou, a 18 de dezembro de 1736, a portaria na qual, em vista das "muitas queixas que lhe haviam feito os viandantes do caminho das minas dos Goiases e à representação que lhe haviam feito os roceiros das hostilidades e estragos do gentio Caiapó, tanto nas roças, como a algumas tropas", dava permissão aos peticionários para que castigassem como pretendiam aos autores de tais insultos. E acrescentava: "ninguém se atrevesse a impedir tão benemérito intento. Antes, dessem toda ajuda". No ano seguinte, já em Meia Ponte, expedia novo e enérgico bando, no mesmo sentido. Depois de uma devassa, na qual ficara provada sua "inimizade à nação lusitana", foi concedida licença franca para guerrear e aprisionar o gentio - permissão completa para a sua escravização "contando que se ressalvassem os direitos da coroa, à qual caberia um quinto dos índios aprisionados". (BARBOSA, W. A. 1971; 131)

       BIBLIOGRAFIA

CAETANO, Coraly Gará & DIB, Miram Michel Cury. A UFA no imaginário Social. Uberlândia: UFA, 1988.

COSTA, Joaquim Ribeiro. Toponímia de Minas Gerais: Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1970

JOSÉ, Oiliam. Indígenas de Minas Gerais. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1965.

MOURA, Antonio de Paiva. História da Violência em Minas Belo Horizonte: Autor, 1983.

NABUT, Jorge Alberto. Desemboque: documentário histórico e cultural. Uberaba: Fundação Cultural de Ubraba, 1986.

OLIVEIRA MELLO, Antonio de. Patos de Minas centenária. Patos de Minas: Prefeitura Municipal, 1992.

PONTES, Hildebrando. História de Uberaba e a civilização do Brasil Central. Uberaba: Academia de Letras do Triângulo Mineiro, 1970.

TORRES, João Camilo de Oliveira. História de Minas Gerais. Belo Horizonte: Lemi; Brasília: INL, 1980.

* Antonio de Paiva Moura é mestre em História e 
professor do UNI-BH. 

 

 

Fonte: www.asminasgerais.com.br/cidades_offline/triangulo_area.htm