Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


12-06-2014

Genealogia-Fontes "Raízes à mostra" mas só com método


Oferecida em balcões de shoppings e aeroportos, a genealogia desperta o interesse de um número crescente de brasileiros . Uma cortina de fumaça envolve a origem familiar da maioria dos brasileiros. Quando resolvem estabelecer sua linha de ascendência, muitos não conseguem ir além dos nomes dos avós. Para saciar a curiosidade das pessoas sobre seus antepassados, prosperam em shopping centers e aeroportos serviços informatizados que recuperam a origem de 500 000 sobrenomes e 200 000 brasões de famílias tradicionais com ramificações no Brasil. Somente em um shopping de São Paulo são 500 consultas por mês, que custam no mínimo 25 reais. Boa parte dos clientes desses serviços faz questão de levar para casa não apenas as informações, mas o escudo impresso de sua família, ao preço de 50 reais a cópia.O interesse pelo assunto é tão grande que é comum que uma mesma pessoa volte a esses balcões genealógicos para fazer diversas consultas.É claro que raízes familiares desenterradas em segundos não são inteiramente confiáveis. Nem todo Silva descende do primeiro Silva, como levam a crer os computadores desses balcões genealógicos. Aliás, o sobrenome mais comum no Brasil é vítima de um erro crasso em um dos programas mais utilizados nos shoppings. No histórico da família Silva, a pessoa é informada de que descende de Antônia Gomes da Silva, nascida em São Paulo em 1539. Tudo seria coerente se a cidade não tivesse sido fundada apenas quinze anos depois.Uma das dificuldades da pesquisa genealógica é que, ao longo das gerações, bilhões de pessoas foram abandonando e criando sobrenomes, boa parte deles copiada de outras famílias. Por isso há tantos homônimos, como bem sabe o cidadão honesto que foi parar na lista do SPC por causa de um trambiqueiro com nome idêntico.No caso dos brasões, eles são exclusivos de poucos. Não é porque um antigo Souza tinha um escudo, o que mostrava sua origem nobre, que qualquer Souza tem o direito de usá-lo. A simbologia de um brasão, associada a um clã, é objeto de estudos rigorosos por parte dos especialistas em heráldica. Para ter o direito de ostentar um escudo na sala de jantar é preciso pertencer ao tronco original da família.No Brasil, existe muita gente que ostenta brasões indevidamente. Como os negros libertados da escravidão costumavam adotar os sobrenomes de seus senhores, é comum, por exemplo, que descendentes de ex-escravos passem por aristocratas, embora não tenham nenhuma ligação com barões e viscondes portugueses. Na verdade, os serviços informatizados oferecem apenas pistas sobre a origem dos sobrenomes.Para saber se elas são corretas ou não, o interessado precisa retraçar sua árvore genealógica numa pesquisa demorada e, não raro, infrutífera.Desfazer os nós de uma linhagem, até chegar às verdadeiras raízes de uma família, requer uma montanha de documentos e muita sola de sapato por parte do pesquisador que se propõe a fazer esse trabalho.Ao decidir conhecer melhor a história de sua família, o aviador aposentado Lael Vital Brazil, de 68 anos, descendente do famoso médico sanitarista, não imaginava o trabalhão que teria. Para obter documentos confiáveis, ele viajou 100 000 quilômetros, muitas vezes por estradas quase intransitáveis. Vital Brazil gastou dias tentando decifrar documentos do século XVIII. Em Mariana, interior de Minas Gerais, encontrou uma brochura que continha a história de um padre com várias folhas arrancadas. "Ele tentou apagar todos os vestígios de seu passado porque era primo de Tiradentes", explica ele. O religioso temia que a ira da coroa portuguesa atingisse sua cabeça.Superadas as dificuldades, o pesquisador descobriu que tinha parentesco com o herói inconfidente e também com o ator Tarcísio Meira. O galã é primo em quinto grau de Tiradentes. "Já haviam me falado sobre isso, mas é a primeira vez que o parentesco foi provado em uma árvore genealógica", diz Tarcísio.Documentos perdidos, livros corroídos pelas traças, bibliografia exígua — em que pese a curiosidade natural pelas suas origens, pouca gente tem disposição para enfrentar todos esses obstáculos. Para compor a música Paratodos, em que fala de seus antepassados, Chico Buarque se valeu do instrumento mais utilizado por uma família para preservar sua memória: a tradição oral. "Eu sabia a origem dos meus antepassados de ouvir meus pais contarem", diz o cantor. Quando estava no estúdio gravando a música em que homenageia seu avô pernambucano e seu tataravô baiano, soube que uma parente distante se havia dedicado ao assunto.A árvore genealógica construída por Noêmia Paes Barreto revelou o parentesco de Chico com senhores de engenho do Nordeste, mas coube ao professor Francisco Doria, em busca de seu próprio passado, atar o elo da família do compositor com o início da colonização brasileira. Um dos troncos da ascendência materna de Chico chegou ao Brasil para atender aos apelos do padre Manoel da Nóbrega, que clamava ao rei de Portugal por mulheres brancas para evitar que seus patrícios se amasiassem com as índias. Para garantir o que seria a pureza do sangue português abaixo do Equador, em 1553 desembarcou em Salvador, juntamente com outras quatro órfãs de origem nobre, Clemenza D'Oria, filha de um fidalgo português morto durante uma missão real de descobrimento. Clemenza casou-se no Brasil com Fernão Vaz da Costa, primo do governador do Brasil, dom Duarte da Costa. "Foi assim que se iniciou uma grande descendência com as bênçãos reais", observa Doria. No caso de Chico, os sobrenomes paternos e maternos desapareceram ao longo dos séculos, mas a linha de continuidade da família é inquestionável.Uma sombra persiste sob a árvore genealógica do presidente Fernando Henrique Cardoso. Depois de revirar documentos e consultar fontes insuspeitas, pesquisadores de primeira linha se perguntam de onde o presidente sacou a afirmação de que tem um pé na cozinha, referência a uma suposta origem escrava. "A hipótese mais provável, carente de documentação, é que um dos antepassados do presidente seria filho de uma negra que viveu amasiada com um português de sobrenome Cardoso, no século XVII", diz o pesquisador Gilson Nazaré. Mesmo sem ter provas documentais, Fernando Henrique insiste que sua ascendência mulata é mais do que um lance de retórica eleitoral. "Todo brasileiro de boa cepa se orgulha de ter uma mistura negra, índia e branca no sangue", afirma.No caso do ex-presidente Itamar Franco, alguns segredos desconfortáveis vieram à tona depois que a genealogia de sua família foi investigada. Há dois anos, o advogado mineiro Douglas Fazzolato recebeu o sinal verde para realizar um levantamento dos ancestrais de Itamar. Ele descobriu que, conforme o registro na folha 156 do livro A 24 do cartório de Santana, em Salvador, Itamar nasceu na capital baiana, às 5 horas da manhã do dia 28 de junho de 1929, na Ladeira da Fonte das Pedras, número 5, antigo endereço de uma tia. Foi lá que ele morou até os 4 meses de idade, quando sua mãe, Itália Cautieiro Franco, amargurada com a morte do marido, resolveu mudar-se com os quatro filhos para Juiz de Fora, em Minas Gerais. A descoberta colocou por terra a versão oficial de que Itamar teria nascido em alto-mar, a bordo no navio Ita, na costa da Bahia, o que teria dado origem a seu nome.Com a revisão dos documentos, até pequenos detalhes foram colocados em pratos limpos. Dona Matilde Franco, irmã de Itamar, por exemplo, sempre se esmerou em esconder a idade, declarando-se a mais nova dos três irmãos. Não é verdade. Tem 76 anos e é a mais velha. "Isso tudo é mentira, e esse trabalho não merece credibilidade", conta Matilde.Toda a documentação já foi enviada a Itamar, que até hoje não se pronunciou sobre o assunto. Mesmo desautorizada, a história será publicada em livro brevemente.Quando não é realizada com bases documentais precisas, a pesquisa genealógica não passa de ficção. Marcelo Bogaciovas, diretor da Associação Brasileira de Pesquisadores de História e Genealogia, cita um exemplo de como é arriscado associar sobrenomes sem fazer esse tipo de investigação. No livro Origem da Família Fleuri, José Sisenando Jayme traça a história da família do ex-governador de São Paulo Luiz Antonio Fleury Filho a partir de bases equivocadas. Segundo Jayme, o antepassado que deu origem ao ramo brasileiro dos Fleury foi um certo Luiz Coelho Furtado, filho e neto de rendeiros e caseiros do Mosteiro de São Pedro do Cête, em Portugal. "Embora apresente detalhes da vida desse sujeito, o autor não reuniu documentos que provem que ele veio para o Brasil", explica Bogaciovas. Ou seja, tudo leva a crer que a genealogia do ex-governador é frágil como um castelo de cartas.Até o início deste século, a genealogia era considerada um tipo de pesquisa histórica de segunda categoria. Vivia a serviço de interesseiros dispostos a remexer o passado em busca de títulos de nobreza. Com o tempo, o método genealógico passou a ser utilizado por estudiosos para remontar o passado, despindo-o da versão das classes dominantes. Ao privilegiar a investigação documental, ele retrata com mais nitidez os fatos de determinado período. No campo individual, a pesquisa genealógica tem-se mostrado útil para que descendentes de estrangeiros consigam um segundo passaporte. O consulado da Itália, em São Paulo, atende cinqüenta interessados por dia. Para obter a cidadania italiana, todos devem levantar documentos oficiais, provando a origem familiar. Trata-se de uma tarefa complicada, porque boa parte dos descendentes de imigrantes nem desconfia onde está essa papelada.Para reunir a documentação, os mais aguerridos recorrem a instituições oficiais e a bancos de dados privados, como o Imigrantes, de Canoas, no Rio Grande do Sul, que reúne 2,2 milhões de nomes de estrangeiros que desembarcaram no Brasil desde 1737. O banco de dados gaúcho recebe cerca de 1 000 consultas por mês e cobra 17 reais por nome pesquisado.As fontes de consulta genealógica estão se multiplicando no Brasil. Até o final do ano, a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, dos mórmons, dona do maior acervo de documentos pessoais do mundo, abrirá vinte novos centros de informação no Brasil, colocando 10 bilhões de nomes ao alcance dos interessados — quase o dobro da população atual do planeta. Seus arquivos guardam registros que remontam ao ano 877 e o intercâmbio entre seus centros, espalhados por 155 países, é gratuito. São cobradas apenas as despesas com correio.Recorrer ao trabalho de um especialista é a melhor forma de desvendar as origens familiares. O filósofo carioca Eduardo Wilson cobra 1 200 reais pela montagem de uma genealogia. O preço cobre apenas seus honorários e não inclui viagens, despesas com correio e cópias de documentos. Na esperança de encontrar uma ascendência nobre, vários clientes se frustram com o trabalho acurado dos genealogistas. Estudos sobre as famílias tradicionais de São Paulo, que se auto-intitulam quatrocentonas, mostram, por exemplo, que elas nada têm de aristocráticas. "Não há nobreza em São Paulo. Os colonizadores do Estado vieram da classe média de Portugal. Naquela época, os nobres moravam na Bahia e em Pernambuco", explica Bogaciovas.Como investigar o passadoA pesquisa para a montagem de uma árvore genealógica começa com uma consulta às certidões de nascimento dos pais, em que aparecem os nomes dos avós e bisavós. Para as gerações anteriores, na falta de certidões de cartório, algumas opções de pesquisa são escrituras de propriedades e cartas de família guardadas no fundo do baú. No caso de antepassados ainda mais longínquos, o jeito é investigar nos grandes centros de documentação, como o Arquivo da Cúria Metropolitana de São Paulo, com 8 milhões de certidões de batismo, e a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, que possui um acervo mundial de sobrenomes.Para organizar os dados em uma árvore genealógica, há regras básicas. As gerações devem ser identificadas com algarismos romanos, partindo-se do antepassado mais antigo. A ordem de nascimento dos filhos deve ser registrada em algarismos arábicos. O primeiro filho da primeira geração, por exemplo, leva o número I.1, com o nome acompanhado das datas de nascimento, óbito e casamento. Nos Estados Unidos, onde a genealogia virou moda, organizar todos os nomes deixou de ser um trabalho braçal. Recentemente foi lançado um manual acompanhado de um CD-ROM. Basta dar entrada nos dados para que o programa organize a árvore genealógica automaticamente. Para dar maior credibilidade ao trabalho, é interessante reunir retratos de antepassados remotos. "Uma genealogia ilustrada vale por duas. E dá aos céticos a certeza de que você não está falando de fantasmas", escreve Victorino Coutinho Chermont de Miranda, autor do guia Como Levantar sua Própria Genealogia de MIRANDA, Victorino Coutinho Chermont de.
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