Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


12-01-2009

O conhecimento mútuo não existe na CPLP Jorge Braga Macedo


O presidente do Instituto de Investigação Científica Tropical (IICT), Jorge Braga de Macedo, sublinha a importância do «gigante brasileiro» e aconselha Portugal a olhar mais para os seus parceiros.

João Carlos, revista África 21


Lisboa - O ex-ministro português das Finanças, Jorge Braga de Macedo, defende um maior conhecimento entre os povos e países lusófonos, «elemento essencial» para que a cooperação seja mais forte.

Nesta entrevista o actual presidente do Instituto de Investigação Científica Tropical (IICT) sublinha a importância do «gigante brasileiro» e aconselha Portugal a olhar mais para os seus parceiros para a construção daquilo a que chama de Lusofonia Global.

ÁFRICA 21. Está à frente do Instituto desde 2004. O que é hoje o IICT face aos objectivos que tinha em mente quando assumiu o cargo de presidente?

JORGE BRAGA DE MACEDO Este ano, estamos a comemorar os 125 anos. Costumamos dizer que são 125 anos de saber tropical. Ainda hoje teve lugar aqui uma reunião da Iniciativa Europeia para a Investigação Agrícola Internacional, que coordena as posições europeias para o Conselho Consultivo para a Investigação Agrícola Internacional (CGIAR), que funciona junto do Banco Mundial e onde o IICT representa Portugal. Isto significa que a nossa missão está mais compreensível do que estava na lei orgânica de 1983 e na própria lei orgânica de 2003.

Quer dizer que o IICT tem um campo de acção mais amplo?

O que realço é que hoje os objectivos do Instituto são mais claros. Investigação Científica Tropical. Na lei orgânica de 1983 havia mais de 20 unidades, meia dúzia de departamentos e uma série de entidades aqui e acolá. Era uma baralhada. O Instituto parecia fazer muito, mas as suas diversas partes não funcionavam em conjunto. Portanto, acabava por não ter massa crítica nem uma missão clara. Agora, pelo contrário, concretizamos esta ideia do saber tropical. Para nós, é o saber que contribui para a consecução dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio. A natureza interdisciplinar da investigação passou a ser quase uma exigência.

Mas o que mudou durante estes anos?

Agora estamos a comemorar os 125 anos do saber tropical com uma missão clara.
Houve uma avaliação dos laboratórios do Estado antes da lei orgânica de 2007. Tivemos aqui uma equipa internacional que esteve a analisar tudo profundamente, tal como aconteceu com todos os laboratórios do Estado português. E chegou à conclusão, justamente, que era melhor fazer menos coisas, mas fazê-las melhor.

Esta mudança contribuiu para impulsionar a actividade do Instituto, inclusive na relação de cooperação, nomeadamente o Brasil e os PALOP?

Na verdade, a nossa missão é manter e acrescentar a cooperação científica e tecnológica portuguesa. Mas sem a interdisciplinaridade as acções acabavam por estar muito dispersas. Não havia muito a tradição de trabalhar com o Brasil. Acabámos de assinar um protocolo de cooperação com a EMBRAPA [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária], que é um gigante da investigação agronómica, também representante do Brasil no CGIAR. Já fizemos um evento aqui sobre o conhecimento para o desenvolvimento. E, portanto, a ligação com o Brasil é muito importante, até porque, como sabe, o Brasil instalou um embaixador na sede da CPLP.

A grande novidade – já estava na lei orgânica de 2003 e foi reforçado na de 2007 – é o alvo preferencial da CPLP. Como somos um laboratório do Estado que fala português, há aqui uma inclinação natural para privilegiar estes países. No quadro da parceria global para o desenvolvimento, que corresponde ao oitavo Objectivo de Desenvolvimento do Milénio, chamamos a isso Lusofonia Global.

Penso que a presidência da CPLP por parte de Portugal, que começou em Julho passado, está a usar a língua como instrumento de Lusofonia Global. Não é só os vários países falarem entre si, mas sim fazerem com que essa língua tenha uma projecção internacional. O IICT está alinhado com esse objectivo estratégico.

Investigação e conhecimento

Graça Machel advertiu em Lisboa que Portugal está a fazer pouco na área da investigação e do conhecimento em África. Há condições para que institutos como este possam ir mais longe?

Fiquei muito comovido com a intervenção da Dra. Graça Machel, na Academia das Ciências, que enquanto académico me foi dado testemunhar «ao vivo». Foi notável porque falou não só de Moçambique, mas também da importância que teve o seu marido, Nelson Mandela – que se tornou sócio honorário da Academia – para se compreender a ligação entre o pensamento e a acção.

Ora, se voltarmos ao ponto anterior, é uma forma de justificar a interdisciplinaridade. Ela explicou de uma maneira admirável como é que as qualidades morais de Nelson Mandela se ligaram com pensamentos estratégicos de mudança política. E ela apresentou isso com grande rigor e com uma noção muito clara da importância da cultura. O casal está frequentemente em Maputo e pedi à nova académica para aparecer no evento que organizamos em Moçambique no dia 30 de Novembro, sobre investigação virada para o desenvolvimento dos países da CPLP.

Outra crítica é que Portugal, que promoveu a cimeira Europa-África, está entre os países que ainda não cumpriram com 0,7 por cento do seu PIB para a ajuda ao desenvolvimento. Será assim possível impulsionar a investigação?

Estou completamente à vontade para falar disso. É que a ajuda, embora muito importante, não é uma garantia de desenvolvimento. Mais de dois anos depois da Declaração de Bissau surgiu agora um documento sobre os ODM feito por um conjunto de economistas europeus, dirigido por um francês que foi vice-presidente do Banco Mundial. Eles dizem que nem o crescimento nem a ajuda são suficientes se, voltando à parceria, não estiverem ligados através daquilo a que eles chamam «não ajuda» como o investimento externo, comércio externo, perdão da dívida e o «conhecimento mútuo».

Apesar da declaração de Bissau de 2006 o enaltecer, tal conhecimento mútuo não existe na CPLP. Acabámos um livro que iremos lançar em Maputo, chamado Futuro e História da Lusofonia Global, do qual se retira que os oito países não se conhecem!

Faz mais sentido dizer que não há atenção suficiente por parte dos países desenvolvidos?

Talvez. A atenção que é dada ao Brasil, aos países africanos, a Timor-Leste ou mesmo à América Latina (no quadro da cimeira ibero-americana que Portugal vai presidir no próximo ano) é insuficiente. A atenção à Europa não se compadece com uma quase ignorância da ligação a outros continentes. Mas a ajuda não é maneira de medir.

É esta postura que poderá levar a que Portugal venha a perder espaço de influência em África, a favor de outros parceiros europeus?

Isso não só pode acontecer como já aconteceu. Não é só um problema de Portugal mas de todos os doadores tradicionais, que se desabituaram da concorrência e dos resultados da ajuda.

Os países lusófonos crescem a velocidades diferentes. Seria praticável harmonizar e potenciar as respectivas capacidades para dentro de uma ou duas décadas se fomentar a investigação, a ciência e a técnica em benefício de todos?

Esta questão tem a ver com o conhecimento mútuo, a comparação das boas práticas, que permite esperança de mais colaboração a nível da CPLP. A língua portuguesa em qualquer cenário do mundo é uma fonte autónoma graças à pujança da economia brasileira. Muita gente ainda não conhece sequer a CPLP. Dizem «CPL quê?»

Um fã da lusofonia

Jorge Braga de Macedo, 64 anos, nascido em Lisboa, é casado e pai de três filhos. Assume-se como um homem da Lusofonia. Presidente do IICT desde 2004, tratou de concentrar mais de duas dezenas de instituições ligadas à investigação que existiam em Portugal, apostando na interdisciplinaridade. É Professor Catedrático da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa desde 1996, Professor Associado do Institut d´Études Politiques em Paris desde 2002, e autor de vasta obra, incluindo diversos artigos publicados nos domínios da economia internacional e do desenvolvimento. É também investigador Associado do National Bureau of Economic Research (NBER) em Cambridge, Massachusetts (EUA) desde 1984, e está igualmente ligado nessa qualidade ao Center for Economic Policy Research (CEPR) de Londres, desde 1985.

No seu percurso, é de notar o seu envolvimento, entre 1986 e 1988, na criação da ELO-Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Económico e a Cooperação, instituição que veio a assumir a direcção do Fórum dos Empresários da CPLP. Foi ministro das Finanças no XII Governo Constitucional português, chefiado por Aníbal Cavaco Silva, cargo que ocupou até à remodelação de 7 de Dezembro de 1993. Naquela qualidade, concluiu as negociações da Conferência Inter-Governamental sobre União Económica e Monetária e assinou o Tratado da União Europeia.

Entrevista publicada na edição de Dezembro da revista África 21

http://www.africa21digital.com/noticia.kmf?cod=8042915&canal=407