Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


12-05-2014

A política de apagamento das raízes galegas do português


Anderson Maranhão

A afirmação de que o idioma Português procede do Latim, embora seja encontrada em diversas gramáticas históricas e dicionários, para citar algumas obras, não encontra respaldo científico, como afirma Marcos Bagno. Professor do Departamento de Línguas Estrangeiras e Tradução da Universidade de Brasília, doutor em Filologia e Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo e autor de diversas obras, entre as quais as bem conhecidas “Preconceito Linguístico: O que é, como se faz” (1999) e “A Norma Oculta: Língua e poder na sociedade brasileira” (2003), Marcos Bagno defende em diversos artigos e entrevistas que a afirmação de que o Português deriva diretamente do Latim Vulgar se fundamenta em questões de natureza política, cultural, econômica e ideológica.
Em seu artigo intitulado “O Português Não Procede do Latim: Uma proposta de classificação das línguas derivadas do Galego”, ele diz que quando o Conde Afonso Henriques se tornou o primeiro Rei de Portugal, por volta de meados do século XII, a língua que se falava em seu Condado Portucalense era exatamente a mesma falada pelos habitantes da Galiza. Na verdade, esta língua já era falada no início do ano mil na região que se estendia da Galiza a Aveiro, período anterior ao surgimento de Portugal. Sendo assim, segundo Bagno, a denominação daquela língua por estudiosos posteriores de “Galego-Português” é, no mínimo, incorreta, para não dizer tendenciosa. A entidade política chamada Portugal ainda não existia, mas a entidade político-geográfica chamada Galécia existia desde a época dos Romanos, de onde se conclui que a língua falada no Condado Portucalense quando do seu surgimento não era outra, senão o Galego. Somente no século XIV se estabeleceria, segundo Bagno, uma fronteira linguística entre o Galego e o Português. Todavia, em determinado momento este vínculo existente entre ambas as línguas foi deliberadamente omitido no intuito de aproximar o Português de sua pretensa língua materna, o Latim. Segundo Bagno, o objetivo é claro: conferir à recém-nascida língua portuguesa o estatuto de beleza, riqueza, elegância e funcionalidade para a língua que, a partir de então, seria um dos muitos instrumentos do imperialismo português. O Português se tornaria o elemento de unificação do império que estava para ser criado, assim como o Latim o fora para o Império Romano. Desta forma, o povo português celebrava a sua equiparação ao conquistador povo romano e o fato de sua língua ser uma filha direta da divina língua latina.O que se deu, a partir deste momento, foi o apagamento sistemático da verdadeira origem do Português, o Galego, este sim um idioma derivado da variedade de Latim Vulgar que se criou no noroeste da Península Ibérica. Tal apagamento só foi possível por ter a Galiza passado a fazer parte da Coroa de Castela e Leão em 1230, o que a fez perder sua autonomia política a favor de Castela. Desta forma, a Galiza tornou-se um território sem governo próprio e assim permaneceria por mais de 750 anos, oprimida por um Estado central espanhol historicamente marcado por uma política de silenciamento das identidades étnicas sub-estatais, de esmagamento das lutas em favor da autonomia dos povos submetidos à sua coroa e de substituição planejada das línguas locais pela língua oficial.Do exposto, é possível compreender o porquê de Marcos Bagno citar o gramático português Duarte Nunes que, já em 1606, afirmaria que o motivo pelo qual o idioma galego seria relegado à mera condição de dialeto rural seria o fato de na Galícia não haver reis e Corte, afirmação esta que seria confirmada séculos mais tarde por Max Weinreich, para quem “uma língua é um dialeto com exército e marinha.”Anderson Maranhão é aluno de Língua Galega na UERJ.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASBAGNO, Marcos. O Português Não Procede do Latim: Uma proposta de classificação das línguas derivadas do galego. Fonte: http://www.editorialgalaxia.es/imxd/libros/doc/1320761642191_Marcos_Bagno.pdf (último acesso em 03 de maio de 2014, às 14:30hs).O Português Não Veio do Latim. Fonte: http://jornalggn.com.br/blog/alfeu/o-portugues-nao-veio-do-latim (último acesso em 03 de maio de 2014, às 14:45hs).Entrevista: Luta contra o preconceito linguístico. In: Jornal da Universidade Federal do Pará. Ano XXVIII Nº 118. Abril e Maio de 2014. Fonte: http://www.jornalbeiradorio.ufpa.br/novo/index.php/2012/141-edicao-109–novembro-e-dezembro/1408-entrevista-luta-contra-o-preconceito-linguistico (último acesso em 03 de maio de 2014, às 15:00hs).
http://quilombonoroeste.wordpress.com/2014/05/08/a-politica-de-apagamento-das-raizes-galegas-do-portugues/