17-03-2008A saga de um corvino/ Final Maria Eduarda FagundesA saga de um corvino. Maria Eduarda Fagundes * Capítulo Final José Candido de Avellar Após o trabalho era com visível ansiedade que nosso corvino chegava a casa de Maria José para ouvi-la nas suas leituras e para aprender a escrita das primeiras palavras. Foi um tempo de convívio que fortaleceu entre eles o sentimento que começou na estalagem da senhora Adelaide e que agora amadurecia e ganhava expressão mais duradoura, apesar das desconfianças e má vontade da senhora Bárbara. Ela percebia que a verdadeira intenção de José era deixar a América, e levar-lhe a filha e os netos. Voltar às ilhas, depois de se acostumar ao conforto material americano, não fazia parte do sonho dela. Mas, malandro, José dizia para convencê-la que na sua terra tinha propriedades e que precisava cuidar delas, pois seus pais estavam velhos. Foi assim que numa manhã de domingo, com poucos convidados, a maioria imigrantes açorianos, eles se casaram na Igreja dos Irlandeses, em New Bedford. A viagem de regresso para o Corvo não tardou. Para José o sonho americano se desfez, mas trouxe-lhe o conhecimento daquilo que ele verdadeiramente esperava da vida. Aprendeu que mesmo no desconforto, nas faltas e trabalhos, há coisas que não têm preço, e que é preciso perdê-las para saber o quanto são importantes para nós. Para Maria José não seria fácil a readaptação. Ela que vivia na América há mais tempo e que tinha filhos americanos. Mesmo assim, por amor, voltou à terra de origem e construiu com José uma família corvina daqual descendo. A maioria dos imigrados não retornou, se adaptou ou tentou se adaptar ao novo estilo de vida americano. Lutou dia e noite pelo conforto, segurança econômica e abastança. Por humildade e ignorância, muitos sentindo-se inferiores, conformaram-se com a segregação num pais construído por imigrantes, como eles. Procuraram esconder a língua, esqueceram o passado de coragem, força e capacidade de sobrevivência de seu povo. Alguns até cortaram raízes com sua cultura e se sentiram felizes quando os filhos e netos, nascidos na nova terra, diziam não saber falar o português. Seus descendentes eram americanos, sem direito ao reconhecimento de suas raízes e ao orgulho de terem séculos e séculos de História e de uma genética que vingou apesar das mutações da mãe natureza. Mas houve também aqueles, como o madeirense João Pereira, conhecido como John Pereira, que de humilde e desconhecido imigrante passou a respeitado cidadão local. Espírito ambicioso, desbravador e aventureiro, na época da corrida do ouro na Califórnia fez fortuna, ajudou a fundar a cidade de Jamestown, em Serra Nevada, e fez parte ativa e importante na colonização do Far West americano. Superou doenças e venceu contendas. Comprou terras, fez hotel e um rancho famoso pela produtividade de frutos e hortaliças, onde dava festas concorridas e conhecidas nas redondezas e que cem anos mais tarde seria palco de filmes como Bonanza e seriados da TV americana. João Pereira não foi um anônimo construtor de uma comunidade, foi como poucos, um sucesso reconhecido, não importando para a sociedade, nestes casos, a nacionalidade, cor ou credo do indivíduo. José Candido de Avellar, meu bisavô ( pai de minha avó paterna), retornou às origens, coisa nem sempre fácil de fazer, e se readaptou. Talvez porque voltou a tempo de não perder as mudanças que ocorrem aqui e alhures, na corrida da vida. Escolheu a solidão compartilhada da sua ilha, as histórias antigas e pachorrentas da sua vila, as missas dos domingos, o marulhar das ondas batendo na rocha vulcânica, os sustos das intempéries, a espera do navio no horizonte, o labutar silencioso da terra, quebrado pelo balido das cabras e ovelhas. No Corvo fez a sua vida , constituiu e criou família que apesar das idas e vindas continuou a vocação pela emigração, sem no entanto perder o amor à terra natal e o orgulho de suas raízes, mesmo às mais humildes. Maria Eduarda Fagundes Uberaba, 05/03/08 |