22-02-2008 A saga de um corvino II Maria Eduarda Fagundes
Maria Eduarda Fagundes *
Capitulo II
No pequeno cais da Casa alguns corvinos acorriam. Aguardavam os Botes que vinham do baleeiro, para as negociações que sempre se seguiam. Não era incomum desembarcar o comandante com alguns negros. Faziam um comércio informal. Trocavam moedas americanas, azeite, vinho e utensílios de toda a natureza pelas carnes, frutos, mantas de lã e água fresca. Com frequência embarcavam homens, clandestinamente, para completar as faltas da tripulação, longe das vistas das autoridades, ali praticamente ausentes.
A fama dos açorianos como bons e resistentes marinheiros às longas estadas no mar, já eram conhecidas nos portos baleeiros, principalmente depois do livro MOBY DICK, do escritor americano Herman Melville, publicado em 1851.
Aproveitando o burburinho, José se apresentou ao comandante como se estivesse negociando. Descobriu que ele era um luso-americano de New Bedford e que conhecia seu tio, também marinheiro. Falou do seu
intento. Tramaram a fuga.
No final da tarde, no lusco-fusco do dia, fez-se o embarque dos barris de água e dos mantimentos.
Quando a tripulação entrou nos botes para regressar ao navio, pareceu que havia mais negros. Só quando estavam se afastando é que o guarda da costa percebeu que havia menos gente em terra. Ainda tentou ir atrás do fugitivo, mas uma bombarda vinda do barco, demoveu-o do seu intento.
A rotina sobre as águas era árdua. Vigia, limpeza, manutenção. Na lida, os dias passavam iguais, mudando só a natureza. O navio seguia a rota dos cetáceos. Mas, quando se avistava o cachalote ou a baleia tudo mudava. O frenesi tomava conta de todos. Preparavam-se com alarde, arrumavam-se as cordas, arpões e lanças, formavam-se as equipes, em geral de seis a sete homens por embarcação. Posicionado o cetáceo, arriavam os botes no mar. Começava a perigosa aproximação. Na proa, o trancador procurava o flanco mais vulnerável e atirava o pesado arpão, certeiro, à ordem do oficial.Sentindo-se ferido o animal precipitava-se numa abalada corrida mergulhando para o fundo, na tentativa de se livrar do apetrecho. Na selha, a corda se desenrolava no ritmo da escapada da caça, até que exausta, depois de tanta luta, flutuava e oferecia seu corpanzil às lanças afoitas e mortais dos baleeiros. Ali mesmo no mar era transformada em grandes pedaços de toucinho e processada pela tripulação. Para o tubarão deixavam a carcaça e o fato.
Scrimshaw representando a caça à baleia
Mais tarde, tudo se aproveitava. As barbatanas para os espartilhos Das damas, a carne, o sangue e os ossos para farinha de ração, e o Marfim dos dentes dos cachalotes para confecção de peças artísticas e Decorativas (scrimshaw), utensílios e jóias. Naqueles tempos o âmbar e o azeite de baleia eram muito bem cotados e davam bons lucros aos armadores, donos dos barcos, e fabricas.
Para os marinheiros, nem tanto. A baleação enriquecia os americanos, mas era uma profissão arriscada que também matava, principalmente aqueles que faziam a caça à baleia. Nas lutas pelos cetáceos muitos foram esmagados ou arrastados para o fundo do mar. New Bedford era a cidade do óleo e da prosperidade até que a falta dos gigantes marinhos, a descoberta do ouro da Califórnia e petróleo americano mudaram a rota da riqueza e da migração.
Quando José desembarcou, o porto americano fervilhava de gente. A agitação era motivada pela chegada do baleeiro. Parentes ansiosos procuravam parentes. Armadores buscavam o retorno dos seus investimentos. Na taberna, ponto de encontro dos marinheiros, achou quem lhe mostrasse onde morava seu tio, que vivia na América há vários anos, em New Bedford, na Sixth Street. Casado com uma americana, era capitão de navio. Recebeu o sobrinho com alegria. Conversaram sobre a terrinha e a família. Mataram as saudades e puseram seus planos em dia.
José foi morar por uns tempos com o tio. Passaram a trabalhar juntos. Foram alguns anos de duras labutas, até que o comercio dos produtos de baleia começaram a declinar, nas ultimas décadas dos oitocentos. O desemprego desviou os homens do mar para as minas de ouro e lavouras do sul, ou então para o trabalho rotineiro e maçante nas fábricas têxteis. A dificuldade com a língua e a falta de qualificação profissional levavam os imigrantes às piores colocações nos serviços. Em terra eram segregados.
Apesar de ter juntado algum capital, o nosso corvino não se sentia em casa. Trocou a baleação por um emprego numa fábrica. Mas não era feliz.
Ali no cais do porto, junto ao mar, divagava. Lembrava da sua terra onde , apesar de pobre, tinha um nome e era reconhecido. Percebeu que foi preciso partir para entender que só regressando se encontraria. Queria mais que dinheiro, buscava um sentido para a vida, liberdade plena, dignidade na sua humildade, respeito na cidadania. Queria fazer parte de alguma coisa, mesmo que fosse de uma pequena comunidade, como a da sua ilha. Nele crescia o germe da insatisfação. Sentia o peito vazio. A noite se aproximava. O céu carregado de nuvens escuras e pesadas denunciava uma tempestade. Um vento forte e gelado acordou-o da nostalgia. Sentiu fome. Caminhou a passos rápidos para a pensão da senhora Adelaide, onde agora vivia. Em vão, a chuva atingiu-o.
* Maria Eduarda Fagundes.
Uberaba, 14/02/08
|