Dois meses. Esse foi o prazo pedido pelo tesoureiro Urpia de Carvalho, para apresentar publicamente o documento original que registra a existência das "medidas", peça que deu origem às famosas fitinhas do Senhor do Bonfim, já em 1792. O documento apresentado à reportagem é uma transcrição do documento oficial. O verdadeiro, segundo ele, está num galpão provisório enquanto são realizadas reformas em algumas casas que fazem parte dos imóveis pertencentes à entidade. A versão que existia até a descoberta desse termo de compromisso entre a Irmandade e a Arquidiocese da época é a de que o souvenir mais vendido da Bahia, conhecido internacionalmente, teria sido criado pelo tipógrafo e editor português Manoel Antônio da Silva Serva, em 1809, quando ele era tesoureiro da Irmandade. Esse dado foi anteriormente levantado pelo jornalista Biaggio Talento, correspondente do Jornal O Estado de São Paulo em Salvador, no ano de 2002 e validado pelo próprio Carvalho, na ocasião. Em 2005, a matéria de Biaggio serviu de base para um trabalho prático de conclusão de curso da faculdade de jornalismo da FTC que trazia como registros uma ata de despesas e receitas onde figuravam a discriminação dos gastos para a confecção das "medidas". O documentário, intitulado " Manoel Antônio da Silva Serva - o pioneiro da imprensa no Brasil", de autoria da jornalista Simone Regina D´Almeida, 26 anos, foi apresentado na Academia Baiana de Letras, passou a ser utilizado em aulas de História do Jornalismo e foi divulgado na Rede Alcar. Por quê? Pois Serva foi o criador do primeiro jornal baiano, Idade d'Ouro do Brazil (1811), e da primeira revista do Brasil, "As Variedades" (1812), dentre outros feitos, daí sua inquestionável relevância. No documentário, mais uma vez, o próprio Urpia aparece numa sonora confirmando o nome do autor das medidas. Agora a cronologia não bate. Segundo as informações levantadas durante a produção do próprio documentário Serva só chega ao Brasil em 1797, de acordo com os registros dos livros de alfândega que foram pesquisados. Logo, não poderia ser o tesoureiro cinco anos antes. "Não posso afirmar quem era o tesoureiro da época, teria que pesquisar. Sabemos apenas que as "medidas" eram uma tradição portuguesa, uma forma de arrecadar recursos", diz Carvalho. A reportagem entrou em contato com o Cônsul-Geral de Portugal em Salvador, João Sabido Costa, que por e-mail confirmou a informação com alguns detalhes interessantes: "A devoção do Bonfim foi transferida de Setúbal (Portugal) para a Bahia por Teodósio Rodrigues de Faria, no século XVIII; as fitas do Bonfim, como elas existem hoje, não têm, que se saiba, tradição em Portugal. Mas em princípio, as atuais "fitas" do Bonfim derivam das "medidas", que eram fitas de seda bordada com fios de ouro usada pelos romeiros para pendurar medalhas dos seus santos", explicou. Segundo Costa, as "medidas" usadas pelos romeiros teriam já uma origem portuguesa. Por exemplo, numa devoção da mesma época, a da Nossa Senhora das Necessidades, os romeiros compravam também como recordação ou cumprimento de promessas as "medidas", que eram fitas de seda de várias larguras e com marcas de medidas bordadas. "Em 1767, já há referências a medidas feitas por Dona Joana, filha de João Veloso de Miranda, para a romaria. Realmente, tendo as "medidas" uma origem portuguesa, pode fazer mais sentido que tenham sido criadas, na Bahia, ainda no século XVIII (daí a data de 1792), de acordo com o desenvolvimento da devoção e das romarias relacionadas. Tratando-se de um costume já existente, era normal que fossem adaptadas mais perto do início da devoção (e da construção da Igreja)", completou. Correção histórica Para o jornalista Biaggio Talento, a nova informação chega em boa hora. Ele vai lançar a segunda edição de seu livro "Basílica e Capelinha - Um estudo sobre a história, a arquitetura e a arte de 42 Igrejas de Salvador, e pretende corrigir a parte que trata da Igreja do Bonfim, assim que tiver acesso ao novo documento. "A história se renova o tempo todo, pode reformar uma verdade", declara ele, que cursa pós-graduação em História no Mosteiro de São Bento. A jornalista Simone Regina D'almeida, autora do documentário, pretende refazer a pesquisa. A presidente do Instituto Geográfico de Histórico da Bahia, Consuelo Pondé, que foi entrevistada pela documentarista, observa que "o documento é a fonte primária". "Se aparecer um documento revelador, o documento é quem fala. Muda tudo, derruba qualquer outra prova. Vale o documento". Indicado pela Associação Baiana de Imprensa como o maior especialista em Manoel da Silva Serva na Bahia, o jornalista Luiz Guilherme Pontes Tavares, que também participa do documentário como fonte, preferiu enumerar a vasta atividade editorial de Serva e colocar em cheque a informação de que a "medida" baiana teria 47 centímetros e corresponderia ao tamanho do braço direito da imagem do Senhor do Bonfim. Segundo Simone, foi ele quem sugeriu o tema de seu trabalho final na faculdade e a co-orientou.
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