Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


21-03-2013

UNIVERSIDADE MARAVILHOSA Brasileiros em Coimbra



Ensino Superior

UNIVERSIDADE MARAVILHOSA Brasileiros em Coimbra

 

Expresso   

18 Março 2013

  Aos sábados, há peladinha. Aos domingos, churrasco. Quando faz bom tempo, o terraço enche-se no último piso do prédio de três andares. Só nos dois apartamentos de cima vivem 12 brasileiros, mais os amigos que podem aparecer para reforçar a carne na grelha e a conversa com sotaque açucarado. "Gostamos de ter aqui um pouco do Brasil." Alexandre Oliveira, ou Alex, um arquiteto de 42 anos natural de Salvador da Baía, mas com ar de europeu, está há dois anos em Coimbra empenhado num doutoramento sobre o comportamento dos edifícios em cenários de terramoto. Não veio sozinho. Antes dele, a mulher tinha entrado na Faculdade de Direito, onde também está a fazer um doutoramento.

Do terraço da casa de Alex avista-se ao longe, na colina oposta, a 'cabra', como é conhecido o sino da torre da universidade que já no século XVIII soava para chamar os estudantes para as aulas. Entre eles muitos brasileiros, incluindo o 'patriarca da independência', José Bonifácio de Andrada e Silva. O sino deixou de tocar mas esses tempos, ainda que de outra forma, parecem estar de volta.
Alex  faz parte da direção da Associação de Pesquisadores e Estudantes Brasileiros em Coimbra, a APEB. Desde que, em 2012, passou a ter uma sede, cedida pela diretora da Faculdade de Direito, o foco da associação tem sido acompanhar o fluxo exponencial de conterrâneos que vão chegando à cidade e que já fazem de Coimbra a universidade com mais estudantes brasileiros fora do Brasil. Segundo Joaquim Ramos de Carvalho, vice-reitor responsável pela internacionalização da universidade, há neste momento 1957 brasileiros a estudar nas várias faculdades e departamentos, um número que se aproxima dos dez por cento do universo total de alunos da instituição.

O fenómeno tem uma explicação. A universidade beneficia da relação histórica com a antiga colónia portuguesa, porque era até ao século XIX o sítio para onde as elites de São Paulo e do Rio de Janeiro mandavam os filhos e isso ficou no imaginário das pessoas. Há quatro anos, aproveitando esse potencial, foi criado em Brasília o Grupo Coimbra de Universidades Brasileiras, que junta como membros 50 das instituições de ensino superior mais importantes do país irmão.
"Quando cheguei cá para estudar Direito, em 2005, estava praticamente sozinha", recorda Viviane Carrico, a presidente da APEB, atualmente a estagiar num escritório de advogados na cidade. "Mas as coisas mudaram muito. Hoje em dia, até já organizamos o nosso próprio Carnaval." E todas as sextas-feiras há noite de samba e forró. Uma banda, a Sambajah, formada por estudantes brasileiros, a maioria deles doutorandos do Centro de Estudos Sociais (CES) da universidade, costuma juntar-se para animar o CCB, um bar que se tornou pequeno demais.
Empenhada em ajudar na integração dos alunos e em fazer pressão para que os problemas com a burocracia e a revalidação, no Brasil, dos graus académicos obtidos em Portugal sejam ultrapassados, a APEB foi criada, em 2004, precisamente por estudantes do CES, com o apoio de Boaventura de Sousa Santos, o diretor do centro.

Com cada vez mais trabalho entre mãos, a associação está a preparar um novo estatuto, um regulamento interno mais detalhado e tem um plano de atividades para angariar mais membros. Público-alvo não falta. E o número vai crescer. O Governo português prepara-se para permitir um regime de propinas mais altas para estudantes estrangeiros, mas isso não inclui brasileiros nem outras nacionalidades lusófonas (ver textos ao lado). No próximo ano letivo será inaugurada a primeira licenciatura, na Faculdade de Direito, que garantirá a estudantes portugueses e brasileiros uma dupla titulação. Passarão dois anos em Coimbra e dois anos na Universidade Federal de Salvador da Baía e serão licenciados simultaneamente nos dois países. E é apenas um de vários protocolos que estão a ser negociados entre os dois lados do Atlântico. Em 2014/2015, outras novidades deverão surgir, com um reforço de estudantes na área das ciências sociais.

O plano de Dilma

A culpa é da Presidente Dilma Rousseff. O Brasil tem 280 mil estudantes colocados em universidades espalhadas pelo mundo inteiro. "Houve um grande incremento devido a uma forte dinâmica política do Governo brasileiro de incentivo à mobilidade e à formação qualificada no exterior", explica o vice-reitor, Joaquim Ramos de Carvalho. "A verdade é que temos 700 estudantes em Coimbra ao abrigo de programas que não existiam há três anos."
Além de uma versão transatlântica do Erasmus, a tradicional rede de intercâmbio de alunos de licenciatura, e um Programa de Licenciaturas Internacionais (PLI) virado para a formação de professores de ensino secundário (com 455 alunos só em Coimbra, num regime de dupla titulação), o Ministério da Educação brasileiro criou, em 2011, o programa Ciência Sem Fronteiras, vocacionado para financiar a colocação de estudantes (sobretudo de mestrado e doutoramento) no estrangeiro nas áreas da biologia, agricultura, engenharias e tecnologia, com um esquema de subsídios generosos. Ao todo são 100 mil bolsas, sendo que até agora já foram oferecidas quase 23 mil para colocações em 38 países.
Este é o primeiro ano letivo, em Portugal, do programa Ciência Sem Fronteiras. O país assumiu-se como segundo destino no mundo para os estudantes brasileiros, com 2935 bolsas atribuídas (contra 5027 nos Estados Unidos e 2692 em França). Só para Portugal concorreram 12 mil candidatos. E para o próximo ano letivo apresentaram-se 20 mil a concurso. Segundo a Capes (Cooperação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), o órgão que gere o programa no Brasil, 9691 desses candidatos foram aprovados. "A demanda qualificada para Portugal ultrapassou as candidaturas para os outros países" e "não é viável alocar esse elevado número de estudantes nas instituições portuguesas". Muitos deles terão de ser desviados para os EUA, o Reino Unido e mais quatro ou cinco opções.
Em Coimbra, entre mestrandos e doutorandos, há 361 alunos ao abrigo do Ciência Sem Fronteiras. Sérgio Tadeu, um engenheiro civil de Santos, perto de São Paulo, é um deles. Veio para fazer um doutoramento sobre eficiência energética em edifícios, porque "Portugal tem uma posição de vanguarda nesta área". Gosta muito de morar em Coimbra e está a pensar até em comprar casa na cidade. "Quero ter um poiso na Europa, porque gosto de vir cá regularmente e aqui parece-me perfeito." Costuma fazer caminhadas nas margens ajardinadas do rio Mondego, "de dia ou de noite, para desanuviar". E gosta de passear no centro histórico. "É uma cidade muito agradável."

Terra do Peter Pan

Nos corredores, nas ruas, nas salas de exposições e espetáculos, passou a haver brasileiros em todo o lado. "Mudaram por completo o panorama cultural em Coimbra", diz Clara Almeida Santos, vice-reitora da universidade. E dá um exemplo: "Houve há pouco tempo um ciclo de cinema italiano e foram os brasileiros que encheram a sala. São muito interessados. Mais do que os portugueses."
A diferença também se nota na vida noturna. A uma quarta-feira, uma noite tipicamente fraca em Coimbra, o bar Bigorna, junto ao largo da Sé Velha, estava cheio às duas da manhã. Num ecrã gigante passava um jogo de futebol da Taça dos Libertadores. O Fluminense perdia contra o Grémio. "O espírito académico é muito forte. E podemos andar a qualquer hora na rua com um portátil na mochila sem que nos aconteça nada. Isso seria impensável no Brasil", diz Alex, com um copo de cerveja na mão depois de mais uma reunião da APEB. "Coimbra, para nós, é a Neverland."

"Ter alunos do Brasil é bom para todos"

Reitor da Universidade de Aveiro
Em Portugal, o reitor da Universidade de Aveiro, Manuel Assunção, coordena o programa brasileiro Ciência Sem Fronteiras, que financia os estudos em universidades portuguesas a milhares de alunos vindos do outro lado do Atlântico.
Os quase dez mil candidatos brasileiros do programa Ciências Sem Fronteiras aprovados para estudar em universidades portuguesas no próximo ano letivo foram informados de que podem trocar de país. Porque acha que isso aconteceu?
Não conheço o contexto dessa situação, mas já com os alunos que estão cá neste ano letivo houve um grande desequilíbrio entre a oferta e a procura. Havia 1500 vagas disponíveis para quase 13 mil candidatos. Há uma apetência por Portugal. O programa quer colocar estudantes brasileiros no exterior, mas há um desequilíbrio, com uma escassez na procura de outros destinos. É normal que se preocupem com o assunto. Têm de tentar que os candidatos estejam atentos a outros destinos. É mais fácil usar a língua materna, as pessoas não estão muito à vontade com o inglês. É óbvio que muitos brasileiros se sentem pouco confortáveis fora do Brasil. E por isso, Espanha também é muito procurada, pela proximidade da língua.

Como comenta uma notícia publicada há duas semanas, no Brasil, de que a formação superior oferecida em Portugal é fraca?

A notícia não tem substância. Fazem uma comparação de um curso (Engenharia Civil) entre uma universidade brasileira e uma universidade portuguesa. Não é isso que está em causa. O Brasil não tem capacidade para absorver os estudantes de uma nova classe média. Os graduados brasileiros são bons. Mas os engenheiros portugueses também têm enorme qualidade. E existem sete universidades portuguesas nos rankings das 500 melhores do mundo. Somos até melhores do que o Brasil. O Brasil tem duas universidades muito bem colocadas internacionalmente, que estão à nossa frente, mas como conjunto Portugal está melhor. Há muito desconhecimento, no Brasil, do Portugal moderno. Há uma visão enraizada de há 50 anos. Tem de haver um esforço de esclarecimento por parte da tutela e também do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Qual é a importância hoje dos estudantes brasileiros para as universidades portuguesas?

Portugal e o Brasil, no que se refere a esta questão, estão em contraciclo. Em Portugal a oferta é neste momento superior à procura. A demografia joga contra nós. Temos muita oferta e pouca procura nacional, os brasileiros têm alguma oferta e uma procura gigantesca. Termos estudantes do Brasil é bom para os dois lados. Nós ajudamos a qualificação dos brasileiros e eles preenchem as nossas vagas. A internacionalização é um objetivo importante para o nosso sistema. E propicia relações que permitem um trabalho em rede, que é benéfico para o sistema português.

A validação no Brasil dos graus obtidos em Portugal não é um problema?

No programa Ciência sem Fronteiras o problema não existe. Os estudantes vêm cá fazer um ano, mas continuam a ser estudantes na universidade de origem. O reconhecimento do grau não está em causa. No Programa de Licenciaturas Internacionais, a pedido das autoridades brasileiras, há uma dupla titulação. Estão cá dois anos, depois obtêm um grau português e um grau brasileiro. Mas existe um problema geral nos dois lados com o reconhecimento mútuo dos graus académicos. É um assunto da maior importância que tem estado a ser visto pelos conselhos de reitores portugueses e brasileiros e por ambos os governos.

Faria sentido os brasileiros pagarem propinas mais altas do que os colegas portugueses?

É uma questão complexa. As propinas não pagam o total da formação, mas temos muito a ganhar no fortalecimento de laços com os brasileiros. E rentabilizamos a capacidade instalada. Temos os professores e os cursos, os custos são marginais. E há ainda o reforço do espaço da língua portuguesa. Está bem assim. O novo regime (de acesso para alunos estrangeiros) tem o meu acordo: os estudantes da lusofonia não devem pagar propinas mais altas.

Chineses, turcos, polacos e iranianos

Foram quase 30 mil os alunos estrangeiros que no último ano optaram por estudar em instituições portuguesas de ensino superior
À medida que as fronteiras são cada vez mais ténues, representando cada vez menos um obstáculo à migração, Portugal não fica de fora do mapa dos destinos escolhidos por alunos de outros países. Vindo eles de tão longe como o Bangladesh ou a Mongólia, para estudar por exemplo em Castelo Branco, é certo que a palavra sobre o país anda a percorrer muitas léguas. De acordo com dados do Ministério da Educação e Ciência, no ano letivo de 2011/12 havia 29.045 alunos estrangeiros inscritos no ensino superior em Portugal — número que corresponde a 7,3% do total (397.337).
Há "fuga de cérebros", mas também se importa talento. É por isso que o vice-reitor da Universidade do Porto, António Marques, diz que "faz mais sentido hoje, num mundo global, falar de 'circulação de cérebros'".
Tradicionalmente, a esmagadora maioria dos alunos estrangeiros chegava às universidades portuguesas a partir de países da CPLP. Os brasileiros ainda lideram, mas hoje podem encontrar-se grupos — de dimensões consideráveis — das mais diversas e inesperadas proveniências. No último ano letivo estiveram inscritos 107 chineses na Universidade de Coimbra, 60 turcos na do Porto e 53 iranianos na do Minho. A Técnica de Lisboa recebeu 121 polacos e 118 alemães.

Mercados globalizados

Esta evolução reflete as estratégias utilizadas pelas universidades para recrutar alunos, nomeadamente as candidaturas a projetos europeus, com vista à promoção das instituições no estrangeiro e da obtenção de fundos.
Na Universidade do Porto, há já 3700 alunos de 111 países. António Marques não duvida que representam "seguramente um forte estímulo à economia da cidade: quer no retorno direto que geram quer no impulso que dão à criação de infraestruturas e serviços com qualidade para o seu acolhimento". A participação em projetos europeus rendeu já à universidade ¤28 milhões.
As vantagens, confirma, são muitas. A comunidade universitária fica dotada "de uma melhor preparação académica, linguística e intercultural, que resulta do contacto com novas formas de trabalho e de organização" — o que é "fundamental para fazer face aos desafios de uma economia sem fronteiras e da procura de oportunidades em mercados de trabalho cada vez mais globalizados".
O vice-reitor do Porto lembra que "a internacionalização é hoje, para muitos especialistas, uma condição da própria qualidade do Ensino Superior e da investigação. Também o vice-reitor da Técnica de Lisboa, Eduardo Pereira, encara este processo como "elemento essencial para o desenvolvimento cultural, científico e tecnológico das sociedades"; sem ele as universidades não conseguirão "constituir-se como instituições de criação e transmissão de conhecimento".

Estrangeiros pagam mais, lusófonos não

O Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas tinha proposto e o Governo acedeu. O secretário de Estado do Ensino Superior já confirmou nas últimas semanas que a partir do próximo ano letivo todos os estrangeiros que queiram tirar uma licenciatura em estabelecimentos públicos portugueses vão estar sujeitos a valores de propinas mais altos do que os estudantes nacionais. O novo regime não vai, no entanto, abranger nenhum aluno da UE nem dos países lusófonos — precisamente o mercado que mais procura Portugal para obter um canudo.

56%  dos 153 alunos a frequentar
atualmente o mestrado científico da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra são brasileiros (86). No caso dos doutorandos, e segundo João Leal Amado, subdiretor da faculdade, o peso dos brasileiros é de dois terços. Havia ainda 90 estudantes oriundos do Brasil a frequentar a licenciatura em Direito no primeiro semestre deste ano letivo. Em 2003 eram apenas 9. "A presença dos brasileiros é neste momento esmagadora"

Contraciclo na construção civil

Para compensar a fraca procura que está a ter entre os jovens portugueses, devido às notícias sobre a crise profunda que o sector das obras públicas e construção civil atravessa atualmente, o Departamento de Engenharia Civil da Universidade de Coimbra teve de quadruplicar este ano letivo as vagas previstas para brasileiros nas licenciaturas e nos mestrados integrados, de 15 para 68, de forma a responder ao crescente interesse, no país irmão, pela formação oferecida (dentro do departamento, 14 foram para Engenharia do Ambiente e os outros 54 para Engenharia Civil). Além disso, há ainda sete doutorandos vindos do Brasil. Para José Raimundo Mendes da Silva, diretor do departamento, o contraste tem a ver com o contraciclo em que o Brasil se encontra, com uma quantidade grande de obras públicas em curso ou a começar no país e quando se sabe que vêm aí o Mundial de futebol e os Jogos Olímpicos. "Há também cada vez mais estudantes a contactarem-nos porque querem tirar a licenciatura inteira connosco".

http://www.crup.pt/pt/imprensa-e-comunicacao/recortes-de-imprensa/5205-universidade-maravilhosa-