Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


08-08-2004

Separatismo: Triângulo Mineiro


“O Triângulo Mineiro tenta desde o período colonial separar-se de Minas. ... “

Manuel Correia de Andrade, em seu livro “As Raízes do Separatismo no Brasil”

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 Nesta edição:

 

FRENETTE,Marco. As Raízes do Separatismo no Brasil

 

OLIVEIRA, Selmane Felipe de. A Separação do Triângulo. Ícone, Uberlândia, 5 (1): 29-57, jan./jun. 1997.

 

MELO, Osvaldo. Não à divisão do Pará         

 

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As Raízes do Separatismo no Brasil

Em curso, a história das divisões territoriais do Brasil revela uma nação economicamente desigual e culturalmente fragmentada, com regiões que ainda lutam por um melhor equilíbrio na distribuição das riquezas do país

Marco Frenette

Com seus 8,5 milhões de Km2, o Brasil é o maior país do continente sul-americano e o quarto maior do planeta em termos de extensão territorial. É uma imensidão de terras sob o controle de uma república federativa dividida em 26 estados e um Distrito Federal, que com suas capitais, cidades e municípios acolhem mais de 165 milhões de brasileiros. Essa atual divisão político-administrativa, relativamente harmoniosa e aparentemente coesa, é, na verdade, apenas o atual estágio de uma longa história de conflitos e modificações territoriais que ainda está em andamento.

Como imensas cicatrizes, as linhas fronteiriças internas e externas dos tantos mapas que o Brasil já teve expõem a história de um país que, segundo as palavras do historiador Capistrano de Abreu, já foi mais do que “capado e recapado, sangrado e ressangrado”, sem, no entanto, encontrar uma fórmula geográfico-política capaz de propiciar um desenvolvimento mais homogêneo para todas as regiões. É um equilíbrio que se busca desde a nossa primeira estrutura governamental: as famosas e fracassadas Capitanias Hereditárias do século 16, quando Portugal tentou contornar sua falta de recursos para a colonização do Brasil retalhando o território em 15 faixas desiguais de terras e entregando-as a nobres que se dispusessem a financiar a colonização.

Desde então, as tentativas só se acumularam. Nos séculos 16 e 17, por exemplo, paralelamente às disputas territoriais externas, tais como as invasões holandesas (como a que ocupou Olinda e Recife em 1630, para só deixar Pernambuco em 1654) e francesas (como a que ocorreu em 1555, quando a baía da Guanabara foi invadida, fundando-se uma colônia que resistiria por dez anos aos ataques portugueses, sendo expulsos apenas em 1565) houve várias quebras da unidade da colônia visando melhor proteger a costa brasileira e dar condições de governabilidade. Desse período, a divisão mais duradoura foi a de 1621 até 1774, quando se criaram dois estados brasileiros, o Estado do Maranhão e o Estado do Brasil, cada um com sua capital e governo.

O pernambucano Manuel Correia de Andrade, autor de importantes livros nas áreas de história, geografia e geopolítica, explica que os “estados e territórios de um país não são coisas estáticas, mas sim entidades políticas e administrativas que precisam evoluir, se adaptar, e, muitas vezes, se desmembrar”. Andrade corrobora o fato ao elencar os principais projetos atualmente em curso para a criação de novos estados em todo o país. Segundo ele, no Pará se quer criar o Estado de Carajás e o de Tapajós. Na Bahia há uma antiga aspiração ao Estado de São Francisco, que ocuparia as terras ao lado esquerdo do rio homônimo, enquanto que mais ao sul se sonha com o Estado de Santa Cruz, que compreenderia a área de Ilhéus e Porto Seguro. O Triângulo Mineiro tenta desde o período colonial separar-se de Minas. No Brasil meridional muitos querem o retorno do antigo Estado de Iguaçu, criado em 1943 e extinto em 1946, que compreendia a porção ocidental dos estados do Paraná e de Santa Catarina. E no Rio Grande do Sul há um movimento de opinião para se criar o Estado da Campanha Gaúcha, cuja capital seria Pelotas.

Embora difíceis de serem efetivados, esses projetos valem por revelar um Brasil marcado por profundas desigualdades socioeconômicas, visto que a principal causa de todas essas aspirações autonomistas é poder controlar os recursos naturais e econômicos de suas respectivas regiões. O projeto do Estado do Tapajós – que ocuparia quase metade da área total do Estado do Pará pelo seu lado oeste, se estendendo pelo norte do Rio Amazonas até a fronteira do Brasil com o Suriname – é o que está mais próximo de se tornar realidade, pois o projeto de decreto legislativo, que determina a realização de um plebiscito para a criação dessa unidade federativa, já foi aprovado pelo Senado em novembro do ano passado, e agora está na fila de pauta da Câmara. O autor do projeto, o senador Mozarildo Cavalcanti (PFL-RR), argumenta que a grande área territorial do Pará – de 1.253.164 Km2 – dificulta a ação do governo do estado em toda a região, “condenando as populações de municípios mais distantes, principalmente no oeste, a toda espécie de carências, especialmente às de prestações do poder público, como saúde, saneamento, transportes e educação”. João Elias Brasil Bentes, secretário executivo do Fórum Permanente pela Criação do Estado do Tapajós, diz o mesmo: “O Pará é o segundo maior estado brasileiro em extensão territorial e é humanamente impossível para qualquer governante atender toda essa extensão, ficando os investimento concentrados em municípios próximos da capital”. Bentes ainda ressalta o “potencial significativo para o turismo e para a produção e exportação, pelo porto de Santarém, de grãos do Centro Oeste Brasileiro e da Região Oeste do Pará”.

Mesmo quem não pleiteia autonomia ou redivisões ataca um problema já crônico do Brasil, que ainda não encontrou sua solução: a má distribuição dos recursos concentrados na União. Em 1992, por exemplo, o então governador do Rio Grande do Sul, Alceu Collares, ganhou a mídia nacional ao reclamar publicamente e no Congresso Nacional da “discriminação” que seu estado sofria por parte do governo central. Citou o fato de o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ter destinado apenas 5,1% de seus recursos ao Rio Grande do Sul, enquanto a Bahia ficava com 19,3% dos desembolsos efetivados em 1990. O governador também pedia uma revisão do atual sistema de proporcionalidade para a eleição de senadores e deputados. “Enquanto nós precisamos ter de 3 a 4 milhões de votos para eleger um senador, o Nordeste elege com 1 milhão”, afirmou, completando que esta situação injusta de proporcionalidade permitia que “as elites atrasadas” dessas regiões continuassem dominando a política nacional. Collares afirmou, ainda, que o atual sistema de representação parlamentar “é a semente da desintegração” nacional.

À época, esta polêmica permitiu o destaque, com direito a generoso espaço na Rede Globo, de uma figura folclórica e ainda atuante, o separatista santacruzense Irton Marx, que luta pela criação da República do Pampa Gaúcho, que uniria o Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Marx, de ascendência alemã, já tem a bandeira do país desenhada e até o nome da moeda que circularia (Jóia), mas não é levado a sério, tendo já sido criticado por Leonel Brizola nos seguintes termos: “os gaúchos que defendem a independência do Estado têm minhoca na cabeça e seriam bem recebidos no Nordeste porque a minhoca fertiliza o solo”. Como o líder gaúcho, muitos rio-grandenses não vêem sentido nesta separação, sendo clara na memória política da região a Revolução Farroupilha, maior rebelião ocorrida no Brasil durante a Regência, que por dez anos, de 1835 a 1845, colocou os rio-grandenses em luta contra o Império. Insatisfeitos com o poder central e os altos impostos, proclamaram a República de Piratini e exigiram independência do resto do país.

Manuel Correia de Andrade, em seu livro “As Raízes do Separatismo no Brasil”, publicado em 1999 (Editora Unesp), explica que parte dessa “semente” da discórdia a que Collares se referiu tem raízes culturais e históricas: “O Brasil não constitui uma nação bem característica e amalgamada com uma solidariedade entre pessoas e culturas diversas, mas um aglomerado de grupos sociais heterogêneos que, muitas vezes, ocupam uma mesma área, mas não sentem solidariedade entre si”. Ele salienta que nem “os indígenas que aqui existiam formavam uma só nação, mas várias delas, dentre as quais as mais importantes eram os tupi-guaranis, os gês, os caraíbas e os arauaques”. A esses povos, que à época do nosso “descobrimento” eram milhões e falavam mais de mil línguas e agora não são mais do que 350 mil espalhados por reservas que ocupam apenas 10% do nosso território, vieram se juntar grupos humanos das mais diversas culturas. Depois dos primeiros fluxos de negros e portugueses – seguidos pelos espanhóis e açorianos – vieram, ainda no século 18, suíços e alemães, que ocuparam localidades e regiões do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Em seguida, os italianos, que se espalharam por todo o país, embora se concentrem mais nos estados do Sul e São Paulo. E, por fim, nos últimos anos do século 19 e começo do 20 foi a vez dos orientais e de judeus da Alemanha, Rússia, Polônia etc., entre tantas outras minorias étnicas.

Junte-se a isto as próprias migrações internas – como a dos nordestinos – e se tem o caldo cultural de uma sociedade desarmônica, patente em todo o Brasil. Exemplo é o “folclore” e preconceitos decorrentes de origem que permeiam nossas relações sociais, a partir dos quais o mineiro seria “dissimulado”, o carioca “malandro”, o gaúcho preocupado demais com sua masculinidade, os nordestinos atrasados e incultos etc.

A historiadora Raquel Mombelli, da Universidade Federal de Santa Catarina, escreveu recentemente uma tese intitulada Identidade Étnica e Separatismo no Oeste Catarinense, na qual discute a relação entre a existência de uma identidade italiana na região oeste do Estado de Santa Catarina com a criação de um novo Estado da Federação, o Estado do Iguaçu, que abrangeria o oeste de Santa Catarina e o sudoeste do Paraná. Mombelli aponta que “a construção de uma identidade por descendentes de italianos nos últimos anos tem se servido do discurso e da estratégia política de conquistar um espaço próprio e autônomo dentro da Federação”. O espaço seria uma região de 30 mil Km2, onde vivem atualmente cerca de um milhão de pessoas, sendo que mais da metade da população descende de italianos. Mombelli explica que a partir das duas últimas décadas parte destes descendentes de italianos estão construindo uma “italianidade” através da valorização da trajetória da colonização, da “invenção das tradições” e da “busca das origens familiares”, ao tempo que reivindicam uma identidade regional do Rio Grande do Sul e ressaltam sua diferenciação em relação a outros grupos étnicos do Brasil. Para justificar a proposta separatista, esses descendentes de italianos se valem do mito do homem pioneiro e desbravador, se colocando na posição de trabalhadores e cultores da civilização e do progresso, em oposição ao resto dos brasileiros, que teriam estas qualidades muito menos acentuadas.

São Paulo também tem tradições separatistas bem arraigadas. Em 1887, por exemplo, Alberto Sales publicou em Campinas, grande centro cafeicultor à época, um livro onde defendia a tese de que São Paulo estava sendo prejudicado pelo governo centralizado do Império, que não retribuía a contento a grande riqueza que o estado lhe proporcionava. Sales propunha, mais adiante, como solução para o desenvolvimento, que estados em condições econômica e política, como era o caso de São Paulo, proclamassem sua independência implantando suas repúblicas. Mais tarde, as idéias de Sales estariam presentes na Revolução Constitucionalista de 1932, quando as forças militares da União derrotaram os separatistas paulistas que sonhavam com uma São Paulo independente. Sonho ainda presente em parte dos paulistas, que hoje ainda dizem que “São Paulo é uma locomotiva puxando um monte de vagões vazios (os outros estados)”. A frase foi especialmente famosa nos anos 20 e 30. Também se percebe facilmente a força do sentimento de “paulistanidade” no forte preconceito e má vontade que há no estado para com os nordestinos, que em períodos de euforia econômica são contratados como mão-de-obra pesada, para nos períodos de crise serem vistos como inimigos da civilização paulista. Como se vê, cada parte do país se acha um tanto quanto melhor que o resto, ao tempo em que o conceito de Nação ainda espera para ser discutido e solidificado.
Fonte: inforum.insite.com.br/2485/links/

 

OLIVEIRA, Selmane Felipe de. A Separação do Triângulo. Ícone, Uberlândia, 5 (1): 29-57, jan./jun. 1997.

 

Analisando o regionalismo brasileiro, Maria Arminda do Nascimento Arruda compara-o ao regionalismo gaúcho, afirmando que esse último "mostrou-se mais isolacionista, enquanto o mineiro se afirma na integração."14 Em outras palavras, enquanto o Rio Grande do Sul se caracteriza como um regionalismo separatista, Minas Gerais caminha em direção oposta. Mesmo internamente, dentro do próprio estado, não haveria sentimentos separatistas. "(. . .) As tentativas mais sérias de fragmentar a região como as do sul de Minas, nos fins do século passado, durante o governo de Cesário Alvim, jamais adquiriram contornos drásticos."15

A experiência do separatismo no Triângulo Mineiro vai contra as hipóteses de Maria Arminda do Nascimento Arruda. Primeiro, porque, como foi visto antes, o discurso da mineiridade e a questão da integração nunca foram apelos fortes na região. Em segundo lugar, o separatismo do Triângulo teve seus momentos de força, sendo quase sempre uma preocupação para os poderes públicos mineiros, sobretudo a partir de 1967, quando, como conseqüência de sua campanha, levou um representante da região a ser governador do Estado.

Portanto, a questão da separação do triângulo é um aspecto importante para se entender a ideologia burguesa local e regional. Para analisarmos esta problemática, teremos que entender, em primeiro lugar, o que é esta separação, qual o seu significado, e também, a sua própria história. No discurso local, o Triângulo Mineiro é uma região rica, trabalhadora, mas que se vê prejudicada pelo Estado de Minas Gerais, na medida em que a maior parte da arrecadação de impostos vai para a capital - Belo Horizonte -, e não retorna, através de benefícios, para a região, ou seja, o "vizinho" Estado de Minas Gerais aparece como parasita, que apenas "suga" as riquezas sem dar nada em troca. Daí, a necessidade de separação, da independência, pois o Triângulo afirma não precisar de Minas Gerais, como também diz ser esse Estado um peso, um sanguessuga" de uma região auto-suficiente.

O discurso separatista busca na própria história regional elementos que justifiquem a almejada autonomia, contestando e contrariando os valores da mineiridade, emblema do discurso aglutinador e antiseparatista da capital mineira. Dizem os emancipacionistas que:

  

"Antes que o Brasil completasse 100 anos, por volta de 1590, o capitão Sebastião Marinho, paulista, com sua bandeira pisava as matas virgens do Triângulo Mineiro. Neste mesmo século, 4 a 5 bandeiras vieram ao Triângulo. Nos séculos seguintes, de 1600 a 1700, diversas outras bandeiras paulistas atravessaram e percorreram o Triângulo até culminar com a bandeira do Anhanguera no começo do século seguinte.

Primeiramente o Triângulo pertenceu ao Estado de São Paulo até 1748. Depois, com a emancipação do Estado de Goiás de São Paulo o Triângulo passou a ser goiano.

68 anos após, em 1916, por um ato de gabinete através de um alvará régio, D. João VI artificialmente separa o Triângulo do Estado de Goiás anexando-o a Minas. Desta forma vê-se que o Triângulo nunca foi somente mineiro. Nunca foi parte integrante de Minas, a sua história foi feita através de São Paulo e Goiás."16

 

Talvez isso explica a força do discurso separatista na região, onde a questão da mineiridade não é um apelo forte. Ideologia ou não, o fato é que a maioria das pessoas não se importa em permanecer ou deixar de ser mineira. Contudo, há ainda outras questões importantes: quando este discurso é usado? Por quê ele nunca foi "vencedor"? A história da separação é muito antiga, e Uberlândia fora inclusive contrária inicialmente, a este movimento. Somente a partir da década de 50 a campanha separatista conseguiu apoio efetivo das maiores cidades da região, tornando-se, portanto, mais forte.

Sobre a mudança de atitude de Uberlândia em relação ao separatismo, um artigo publicado no Correio de Uberlândia em 1959 pode servir de exemplo:

  

"Em local desta edição noticiamos pesarosamente a perda da Escola de Engenharia ante recente ato do chefe de governo. O despacho de J.K. criou em Uberlândia uma onda de descontentamento não só porque a criação dessa escola em nossa terra era produto voluntário de uma promessa de S. Ex.a., mas também considerando que Uberlândia merecia daquele que foi o mais votado nos dois últimos pleitos, um pouquinho mais de atenção.

(. . .) É preciso que o presidente da República, esteja lembrado que Uberaba foi a primeira cidade do Triângulo Mineiro que se rebelou contra Minas num movimento de separatismo. E esta mesma cidade não desejava receber ordens do vizinho Estado de Minas - é (. . .) a mais premiada do Triângulo Mineiro.

Estamos convencidos de que aquele que se rebela contra os poderes constituídos recebe prêmios públicos em pagamento da rebeldia; e aquele que atende ao chamado das urnas recebe do governo o prêmio do desprezo. Se realmente concretizado estiver esse intento do presidente, de nos prejudicar, nós da imprensa de Uberlândia, porta vozes do povo, levantaremos uma severa campanha de separação do Triângulo Mineiro, com o propósito decidido de defender as nossas reivindicações, já que elas até aqui foram ignoradas pelos governos."17

  

Além dos aspectos explícitos da rivalidade entre Uberaba e Uberlândia, e ainda uma grande demonstração de oportunismo dessa última, outro ponto questionável deste artigo é quando ele diz que "Uberaba foi a primeira cidade do Triângulo Mineiro que se rebelou contra Minas num movimento de separatismo." Na realidade, a origem desse movimento é bastante antiga, e como reconhece Hildebrando Pontes, no seu livro História de Uberaba e a Civilização do Brasil Central, ele se iniciou na cidade do Prata por volta de 1857.18 Em Uberaba, o grande incentivador deste movimento foi Henrique Raymundo des Genelles - fundador do primeiro jornal da região, em 1873. O Paranahyba, que depois passou a se chamar O Echo do Sertão. Em 1875, Des Genelles liderou uma campanha pela separação do Sertão da Farinha Podre (antigo nome do Triângulo) de Minas Gerais, com o objetivo de anexar esta região à Província de São Paulo.19

Portanto, o objetivo do movimento de 1875, como também no caso do iniciado na cidade do Prata, não era a constituição de um estado independente, e sim a sua anexação à São Paulo. O principal motivo para esta mudança era a falta de apoio do governo provincial mineiro, que "só lembrava (desta região) para as arrecadações de impostos.20

Des Genelles, que era do Partido Liberal, teve fortes adversários contra a sua campanha separatista, inclusive no seu partido, como "o alferes Antônio Rodrigues Mortisa, eminente político (. . .) em Conceição das Alagoas." Com os adversários, e sobretudo, devido a mudança de Des Genelles para Goiás, a campanha separatista "esfriou (. . .) mas, não se apagou, porque, impetuosa, ela ressurgiu em 1906, 1919 e 1934."21 E ainda em 1948, conheceria um dos seus mais importantes momentos.

O movimento separatista de 1906 ocorreu devido à falta de apoio do governo estadual e, principalmente, contra o fechamento da Escola Normal de Uberaba, que atendia a todo Triângulo e Sul de Goiás, e contra a retirada do 2º Batalhão de Polícia daquela cidade. Como resultados práticos desta campanha, foi criado em Uberaba, em 1906, o Clube Separatista, e em Araguari, foi fundado o Parido Separatista. "Diante do vulto que ia tomando a idéia separatista, os governos da União e do Estado de Minas começaram a se interessar pela sorte deste rico trato de terra Mineira, abandonado."22 Então várias reivindicações da região foram atendidas, como a autorização para a construção da ponte Afonso Pena - "ligando o Triângulo ao Sul de Goiás", - e a estrada de ferro Araxá-Uberaba. "Diante disso, mais uma vez os separatistas ensarilhavam as armas."23

A campanha separatista ressurgiu em 1919, sob a liderança de Boulanger Pucci, que havia fundado em Uberaba, em 12 de outubro deste ano, o jornal A Separação. Em Araguari nessa época, a campanha teve reflexos diferentes. Foi publicado o jornal Minas-Unida destinado a contrariar os desígnios dos separatistas e fazer campanha em favor de harmonia entre mineiros e triangulinos, objetivando cessar a movimentação que se opera na opinião."24

A partir de 1934, novamente em Uberaba, ressurgiria a campanha separatista. Os motivos, como sempre, estavam ligados à falta de atenção do governo mineiro, que tentou suprimir a Escola Normal e o Aprendizado Agrícola Borges Sampaio, em Uberaba, além de não ter cumprido as promessas de construção do serviço de água e esgotos e melhoramentos no serviço de eletricidade da cidade. Nesta campanha, ocorreram duas manifestações, uma com mais de 5.000 pessoas, em solidariedade ao jornalista Quintiliano Jardim, do jornal "Lavoura e Comércio", de Uberaba, que era um dos articuladores do movimento. "Essa campanha que assim se desentolava, foi de súbito estancada - Sobreveio a revolução comunista e o governo de Minas, valendo-se da oportunidade, mandou a Uberaba um delegado de Ordem Política e Social para abrir inquérito a respeito das atividades partidárias de Luiz Carlos Prestes e ... para fazer severa advertência aos separatistas... "25 Mesmo assim a campanha conquistou benefícios para a região, como a construção da rodovia Belo Horizonte - Araxá - Uberaba e da ponte do canal de São Simão, serviços de eletricidade e higienização em Uberaba, e a construção do Cassino Hotel em Araxá.26

Todos os movimentos separatistas do Triângulo, até 1942, ocorreram basicamente em Uberaba, com poucas repercussões nos outros municípios da região. Em 1949, porém por iniciativa de um vereador da Câmara Municipal de Ituiutaba, foi enviado a todas as câmaras municipais da região, uma carta conclamando a todos a participar do movimento, sugerindo ainda um "conclave" para que fosse debatido o assunto. O jornal Estado de Minas comentou esta questão criticando a campanha separatista, fazendo ironias com a carta - "Comentando tal circular, um procer uberabense teve a seguinte expressão: ‘Esse homem avanço como um bicho voraz nesse osso’ " -, mas, reconhecendo que a "circular de Heradito Nogueira de Sá teve, entretanto o mérito - se assim se pode dizer - de articular o movimento, obrigando todas as Câmaras do Triângulo a apresentar o seu pronunciamento." 28

É importante ressaltar, ainda, a contradição entre os discursos das cidade que eram a favor ou contra o movimento.

  

"Alastra-se por todo o Triângulo a idéia separatista desta bela região de Minas num dos Movimentos mais simpáticos e populares registrados na história do povo mineiro.

A idéia, ao que parece, surgiu em Uberaba, pioneira dos grandes movimentos, de grande envergadura. Disseminou-se com a velocidade de um relâmpago, entusiasmou as massas e hoje, em cada coração triangulino, vicejam a aspiração de separar o torrão que nos viu nascer, para que seja como ele formada uma nova unidade federativa.

O Triângulo que a sua independência." 29

  

Diante da postura de Monte Carmelo, acima, Uberlândia era contra o movimento separatista, e insistia que o mesmo não tinha nenhuma repercussão na região:

  

"Alguns jornais do Rio e também diversas emissora daquela mesma capital, vêem fazendo certo barulho em torno do movimento separatista que um jornal de Uberaba, por iniciativa de um ex-deputado goiano, lançou no Triângulo Mineiro. Todos sabemos perfeitamente não ter a campanha a mínima repercussão e que apenas ainda existe pela insistência de seus iniciadores que assim o fazem por motivos que ainda não chegamos a compreender muito bem.

Um jornal carioca (. . . ) ainda acrescenta serem bases da propaganda separatista, os municípios de Uberaba, Uberlândia, Prata e Ituiutaba. Não respondemos pelas outras comunas. Pela nossa, entretanto, negamos qualquer participação oficial de nosso município em tal movimento afirmando mesmo que, nem extra-oficial ela até agora se manifestou." 30

  

Uberlândia, como foi dito antes só mudaria de posição na década de 50. Nesta década, a campanha separatista ocorreu sobretudo em dois momentos: primeiro, entre os anos de 1950 e 1952, e segundo, em 1957. O principal motivo para a eclosão destas campanhas era, como nas décadas anteriores, a falta de atenção e de recursos por parte do governo mineiro. O discurso separatista continuava se baseando na diferença de interesses entre a região e o "vizinho" estado, ressaltando a exploração desse último principalmente através de impostos.

A partir de 1957, porém, o movimento separatista assumia também a independência econômica da região como outro fator importante para justificar a separação do Triângulo:

 

 "É chegada a hora. Já nos tornamos adultos economicamente e já temos sedimentação cultural para agirmos por nossa prática conta, pois nada nos adianta a posição de um protetorado passivo, onde a vontade de alguns políticos (donos de imenso latifúndio que é Minas Gerais) é a única Lei." 31

 

 

Como foi dito antes, até a década de 50, Uberlândia era contra o movimento separatista. A mudança de posição da cidade - sobretudo da imprensa e dos políticos - não foi um processo simples. Em 14/02/50 o Jornal Correio de Uberlândia reconhecia que se antes a cidade era contra a campanha separatista, naquele momento já existiam "inúmeros adeptos." 32 No entanto, o próprio jornal, que sempre se orgulhava de estar na vanguarda dos movimentos em favor do progresso da cidade, oscilou durante muitos anos se apoiava ou não a campanha separatista. Em 1950, ele era contra a separação e, inclusive classificava "como antipatriótica toda campanha que se desenvolvia no sentido de separatismo." 33

Contudo, em 1951, o próprio redator do jornal já defendia a separação do Triângulo, apesar de não concordar com o encaminhamento da campanha naquele momento:

  

"A idéia separatista, como idéia, já está vitoriosa. Minoria reduzida, serão os que ainda não a adotam. Talvez uma boa parte não a manifesta. (. . . ) O que não está certo é o sentido confuso como as cousas vêm sendo feitas. Movimento separatista, como o que anda por aí, não irá à parte alguma." 34

 

No entanto, este artigo não demonstrou uma mudança definitiva do jornal em prol do separatismo. Na realidade, o Correio de Uberlândia tentou assumir uma postura de neutralidade, na medida em que publicava as posturas favoráveis e contra o movimento, sem se posicionar de forma clara. Em 1952, o jornal reconhecia que ainda não tinha tomado partido de um dos lados da questão. 35

Somente a partir de 1957, o jornal assumiria uma postura firme pró-separatismo, e mais, tentaria colocar-se como vanguarda do movimento:

 

"Todos os deputados do Triângulo manifestaram-se favoráveis à campanha do Correio de Uberlândia. Rádio Local, imprensa de Uberaba: favoráveis ao movimento.

(. . . ) Se a campanha é antiga, agora, nesta fase, nós fomos os primeiros a chamar Minas Gerais de ‘vizinho estado’ . Intransigentemente lutaremos para nos livrar da tutela administrativa de um verdadeiro sanguessuga: Minas Gerais. Voltaremos nesta batalha, focalizando o grande problema que aflige os triangulinos. Há muito tempo para luta." 36

  

Em relação aos políticos uberlandenses, a mudança para o separatismo se deu também de forma lenta. Apesar de existir muitos vereadores separatistas já em 1951, 37 os chefes políticos da cidade - sobretudo os deputados Rondon Pacheco e Vasconcelos Costa - eram claramente contra a separação do Triângulo. Por isso mesmo, o líder mais importante deste movimento, na década de 50, foi um representante de Uberaba, o deputado Mário Palmério. Em 1951 ele já se pronunciava de forma clara sobre o separatismo como no seu discurso de 28 de junho, na Câmara Federal:

  

"(. . . ) término as minhas palavras fazendo novamente a minha profissão de fé em favor do movimento de emancipação do Triângulo Mineiro e pela criação de novo Estado na Federação brasileira. Sou pela solução nacional, despida de regionalismo estreito e impatriótico. Sou, acima de tudo, brasileiro e progressista. Viso o progresso da região em que nasci e onde trabalho modestamente em benefício de seu desenvolvimento material e cultural." 38

  

Opondo-se ao deputado Mário Palmério, estavam os representantes de Uberlândia. No dia 28 de junho de 1951, durante o discurso de Mário Palmério, o deputado Rondon Pacheco fez o seguinte aparte:

  

"Filho do Triângulo Mineiro e representante daquela região, nesta Casa, empresto valor histórico à declaração de V.Excia. Candidato mais votado no Triângulo Mineiro, e procurando traduzir os sentimentos de meu povo, como triangulino, declaro que me sinto ligado a Minas, como Minas ao Brasil. O que existe em nossa região - permita-me divergir de V.Excia. - é um estado de insatisfação quanto aos poderes públicos de Minas Gerais, em particular, que não tem atendido o Triângulo na medida do seu merecimento, mas considerando os nossos vínculos ao patrimônio histórico de Minas, o problema dentro do seu ponto estritamente cívico, eu proclamo, neste momento, e levanto uma bandeira - a da maior integração de Minas Gerais, e pelo Brasil, convicto de que seremos compreendidos nas nossas justas reivindicações." 39

  

A posição do deputado Vasconcelos Costa, também uberlandense, não era diferente. Ele lutava pela maior integração à Minas Gerais, e não pela separação do Triângulo:

  

"Devemos é conquistar pelo voto, o coração dos mineiros, para que os homens da região possam ter amanhã, assento nos altos conselhos do Estado e da República. Então o Triângulo, sem jamais deixar de ser mineiro, terá a solução dos seus problemas, mesmo no interesse da economia de Minas de do Brasil." 40

 Além da oposição dos deputados uberlandenses, o separatismo recebia críticas da capital mineira - como o jornal "O Diário", que entre outras coisas, qualificava o movimento como antipartidário 41 - e de autoridades federais - como o Ministro da Justiça, Negrão Lima, que era contra a separação. 42

Na década de 50, ocorreu também um movimento de emancipação da região Sul de Minas. Como o separatismo do Triângulo, este movimento também foi condenado, principalmente na Assembléia Legislativa de Minas Gerais. 43 E mais, contou com a oposição dos próprios separatistas triangulinos:

  

"É possível que tal ‘surto’ (separatista no sul do Estado) possa impressionara a alguém. Isso não acontecerá a nós e à gente desta região, conhecedores, por demais, desse separatismo interesseiro que se entreposta para conseguir empregos, propinas, benefícios, verbas, enfim do governo estadual.

(. . . ) Separatismo ou emancipacionismo (este só o nosso poderia ser porque tentava emancipar uma região que jamais pertencera a província ou Estado a que estava ligado) evidenciando-se ao mesmo tempo que reclama ‘benefícios’ ou apresenta reivindicações, não é emancipacionismo e separatismo (o do sul de Minas, região historicamente mineira). Quando muito será um deles: estado de ciúme ou de despeito e de insatisfação.

Já se tem escrito que no Triângulo havia desejo de separação ou de anexação a São Paulo. Isso, porém, não corresponde a verdade. Quem escreve estas linhas (. . . ) jamais encontrou, entre os verdadeiros emancipacionistas triangulinos, quem desejasse que sua terra pertencesse a São Paulo. Todos queriam emancipá-la. Ninguém queria que ela apenas mudasse de dono ...

É assim que surtos como esse do Sul de Minas, aqui ou alhures, carecem de importância, porque não tem a dar-lhes vida: sinceridade de propósitos ou consciência separatista ou emancipacionistas. Serão apenas combinação de políticos despeitados ou desejos do calor governamental.

Nunca será um ideal, no máximo será uma chantagem ...44

 

Assim negando o movimento do Sul de Minas, os triangulinos tentavam se colocar como os "verdadeiros" emancipacionistas. E, na medida em que não estavam ligados historicamente a Minas Gerais, pretendiam a independência - e não a anexação a outro estado - , recusando o epíteto de "chantagistas" que apenas reclamavam benefícios em troca da integridade estadual. Entretanto, sabemos que esse discurso não condiz com a realidade (isto sem falar nos erros de português e de datilografia do artigo). Primeiro, porque o Triângulo é mineiro desde 1816, sendo assim questionável negar a sua ligação histórica com Minas Gerais. Segundo, sabemos que as primeiras campanhas separatistas do Triângulo, reivindicavam a sua anexação ao Estado de São Paulo, e não o contrário, como afirma o artigo. E por último, todas as campanhas triangulinas aconteceram em momentos em que o estado mineiro não estava dando a devida atenção à região, e elas terminavam, normalmente, quando suas principais reivindicações eram atendidas. Senão como explicar as idas e vindas deste movimento durante a história?

Na primeira metade da década de 60 ocorreram algumas tentativas para levantar o movimento separatista, 45 mas sem grande sucesso. Uma dessas tentativas foi a criação, por dois uberlandenses, da SEMIRI - Sociedade Emancipanista do Triângulo - , que não passou do manifesto publicado na imprensa.

O deputado Valdir Melgaço reconhecia a importância da região, sobretudo de Uberlândia, para Minas Gerais e reivindicava mais atenção do estado, mas, ao contrário dos separatistas, o seu objetivo era uma maior integração e não a separação e a criação de outro estado:

 

"Tendo certeza de que Deus iluminará aquela gente do Triângulo Mineiro no sentido de que seja afastado o espírito de separatismo, porque o Triângulo Mineiro quer integrar-se definitivamente ao Estado de Minas Gerais, esperando que os poderes governamentais dêem um pouco de atenção para aquela região, especificamente para Uberlândia que é a minha cidade." 47

  

Contudo, em 1967, a campanha separatistas voltou a ganhar força e teve o seu principal momento na década. Além da falta de apoio do governo estadual, outro fator fundamental para a retomada do movimento foi o projeto de lei do deputado Florino Rubim, do Espírito Santo, que propunha a criação de cinco estados e onze territórios, sendo um destes estados o que corresponderia a área do Triângulo Mineiro.48

Na Câmara Municipal de Uberlândia havia vereadores separatistas, 49 mas também, ainda existiam políticos que resistiam à campanha de separação da região, como o vereador Antônio de Oliveira, que acreditava "que o movimento separatista que se esboça no Triângulo não é nada mais que a tentativa de destaque de grupos demagógicos e sem expressão nos meios populares visando diminuir a pessoa do governador Israel Pinheiro." 50

Entretanto, a análise do vereador Antônio de Oliveira não correspondia à realidade. O movimento separatista não apenas teve um dos momentos mais significativos na campanha de 1967, como contou com o apoio de políticos importantes da região, o que resultou na criação da UDET - União para o Desenvolvimento e Emancipação do Triângulo.

Essa entidade separatista teve um papel importante no movimento, sendo responsável pela organização de congressos pró-separação, que contaram, algumas vezes - como o congresso de Araxá 52 e de Frutal 53 - , com a participação do próprio deputado Floriano Fubim.

Em relação ao congresso de Araxá, foi divulgado um manifesto assinado pelo presidente da UDET, Ronan Tito de Almeida, conclamando o povo da região para apoiar o movimento emancipacionista do Triângulo:

 

"Nossa luta não é contra ninguém. Ela é a favor do Triângulo.

Adquirimos a maturidade necessária para que o movimento de criação de um novo Estado possa ser feito sem revanchismo infantil, sem a exploração política ou outros vícios, que, porventura, tenha tido na passado.

A criação do novo Estado do Triângulo se impõe pelo atual estágio de desenvolvimento sócio-econômico da região, pela tradição de trabalho e pioneirismo de seu povo, pela localização geo-econômica estratégica.

Nossa campanha agora é bem estruturada, fundamentada e objetiva, e não um gesto incontido de protesto sem consistência.

(. . . ) As forças vivas do Triângulo, reunidas no histórico Encontro de Araxá, convocam a todos para uma tomada de posição em favor da criação do Estado do Triângulo!" 54

  

No V Encontro das Forças Vivas do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba "Pró Redivisão Territorial do Brasil", em seu discurso, o deputado federal Sinval Boaventura afirmava que "as bandeiras da ex-UDN, ex-PSD, ex-PTB, da Arena hão de ser suplantadas" em nome da bandeira do Triângulo. E mais, ressaltava que o movimento emancipacionista não era subversivo, inclusive elogiando as polícias civil e militar, e o próprio DOPS:

  

"E eu agora quero dizer àqueles que aqui estão presentes; quero cumprimentar aos membros da polícia civil que estão presentes, quero cumprimentar aos membros do DOPS que gentilmente se credenciaram para acompanhar esta reunião, estes extraordinários policiais com quem pude conviver e que através da lei 3214, que fui relator principal, defendendo os interesses da polícia civil; que pude apresentar uma emenda efetivando o policial de 5 anos que sacrificaram a vida para nos garantir, para garantir a nossa franquia democrática. Uma palavra também a polícia militar de Minas Gerais, principalmente a do contingente aqui sediado, como também do 4º BC de Uberaba, estes soldados que desceram dos cantões da serra para marchar sobre o inimigo que queria comunizar o Brasil.

(. . . ) não posso concordar com aqueles elementos que denunciaram o Dr. Edson, como elemento subversivo, porque o nosso movimento não tem nada de subversivo, pelo contrário, ele está entrosado, pois o objetivo da revolução desses oficiais abnegados querem na verdade que a revolução possa prosseguir os seus passos. Por isso todos os pronunciamentos que aqui foram falados e naturalmente as minhas palavras serão gravadas para manhã serem levadas ao serviço secreto do exército, para ser naturalmente encaminhadas pelo nosso secretário de segurança, meu amigo pessoal Dr. Joaquim Gonçalves. Porque esse delegado do DOPS, Tão extraordinário que deseja a paz de nosso estado verá como disse o Dr. Natal Nader, que o nosso movimento é corajoso e nós não submeteremos a nenhuma pressão se quer na caminhada para a emancipação do Triângulo e Alto Paranaíba." 55

 

 

Assim, o movimento separatista procurava deixar claro que não era subversivo. Ao contrário, os seus membros estavam de acordo com o regime militar. Além disso, a campanha emancipacionista contava com o apoio de entidades importantes, como a Associação Comercial e Industrial de Uberaba, 56 a UESU - União dos Estudantes Secundaristas de Uberlândia, a UTES - União Triangulina dos Estudantes Secundaristas, 57 e a Câmara Municipal de Uberaba; 58 e em seu discurso demonstrava a viabilidade da implantação do Estado do Triângulo, ressaltando a integração nacional e a divisão territorial como elementos básicos para o desenvolvimento do país, 59 e também a questão da auto-suficiência das regiões:

  

"Mas que ela (a subdivisão de todo o território) será feita, não se contesta, uma vez que está na pauta e nas metas do atual governo, devendo, entretanto, obedecer um plano que será processado por etapas. O CSN cogita no processamento da subdivisão do país, inicialmente emancipando as regiões que já são emancipadas de fato e que tenham auto-suficiência automática, não apresentando quaisquer vínculos com os governos dos respectivos Estados, como serve de exemplo, a região triangulina" 60

 Entretanto, contrapondo-se ao movimento, estava o governador de Minas Gerais, Israel Pinheiro:

  

"[ o governador Israel Pinheiro] falou sobre a separação do Triângulo, afirmando: ‘o que vale, o que nos tem valido sempre, é a força da tradição, da União.’

Salientou a situação do Triângulo Mineiro, cujas cidades foram as que mais lucraram com a criação de Brasília, principalmente Uberlândia. Sobre a estrada de Cristalina para Araguari e Uberlândia. No 1º canal de micro-ondas que inaugurou de Brasília a Uberlândia.

(. . . ) - ‘Vocês tem um líder na Câmara que é o Homero e tem um Ministro no governo federal. É a cidade que mais representante tem no governo federal.

Não sei onde anda essa tristeza em vez desse união"61

  

O discurso anti-separatista do governador procurou ressaltar outros elementos, além da tradição e da mineiridade, sempre utilizados por outros políticos. E nestes aspectos, o governador tentou ser prático, falando da importância de Brasília para a região e da força dos políticos triangulinos - de Uberlândia, especificamente - no governo. Esse último ponto foi lembrado pelo jornal Diário de São Paulo, quando foi comentado o movimento emancipacionista do Triângulo:

 

 

"A onda de emancipação do Triângulo Mineiro, hoje considerada irrefreável, está baseada no grande poder econômico da região. É um dos maiores celeiros de S. Paulo de onde recebe, em troca, nada menos de 1/5 da arrecadação de todo os Estado montanhês. Diz a imprensa local que somente o ministro Rondon Pacheco, com o prestígio político que desfruta na zona em rebelião, poderia, se fosse candidato em 1970, a governador do Estado, conter o ímpeto emancipacionista dos triangulinos"62

 

Para atingir este objetivo - ter um triangulino como governador de Minas Gerais -, as articulações foram feitas, sobretudo sob a liderança do deputado Homero Santos:

  

"Mas para isso [conquistar o Palácio da Liberdade] é necessário [que] sejam esquecidas as antigas divergências e que haja uma perfeita união entre os políticos do Triângulo. Acredito que essa união será feita porque creio no alto espírito público dos que dirigem a política triangulina, que não deixarão escapar uma oportunidade excelente como esta. Tenho mantido contado permanente como o ministro Rondon Pacheco, deputado Valdir Melgaço e outros representantes políticos da região sobre o assunto."63

  

O ministro Rondon Pacheco tornou-se governador em 1970, e mais uma vez, o movimento separatista refreou-se, voltando, com alguma expressão, somente em 1973, com a possibilidade de redivisão territorial e criação do estado de Minas D’Oeste:

  

"Em matéria publicada pelo jornal o Estado de São Paulo, o Brasil tomou conhecimento de um trabalho que vem sendo realizado pelo sociólogo Severiano Marque Monteiro, assessor técnico do Banco do Desenvolvimento Econômico, e que foi encomendado pelo Ministério da Justiça por determinação direta da Presidência da República, para a redivisão territorial do país, que se constituirá em 38 unidades federadas, sendo 22 províncias (nova denominação para os Estados votando às origens brasileiras), 15 territórios e um Distrito Federal.

(. . . ) Sempre houve em nossa região, o desejo separatista, para que o nosso potencial econômico fosse aplicado em benefício da própria região. O sociólogo Severiano Monteiro, obedeceu a este desejo latente dos triangulinos, dividindo a futura Província de Minas Gerais.

(. . . ) A cidade de Uberaba foi escolhida para capital, em virtude de sua posição estratégica dentro do Triângulo e por ser o ponto de entroncamento do sistema rodoviário local: as rodovias Uberaba-São Paulo, Uberaba-Uberlândia-Estado de Goiás (demanda Goiânia e Brasília) e Uberaba-Belo Horizonte. Aliás, caberia salientar que Uberaba é, presentemente, a verdadeira capital pecuária do Triângulo Mineiro"64

  

Contudo, mais uma vez, um projeto amplo de redivisão territorial acabou não se concretizando. Entretanto, com a possibilidade de divisão de Mato Grosso, em 1976, a problemática da emancipação voltou a ser mencionada e discutida, mas sem grandes repercussões.

Em 1978, após três anos de funcionamento, a Comissão Política Demográfica e de Revisão Territorial da Câmara dos Deputados elaborou um relatório onde sugeria a "criação de oito novas unidade federadas, e a transformação em Estados dos Territórios Federais do Amapá, Roraima e Rondônia"65 Entre as novas unidades, estava o Estado do Triângulo, com a capital em Uberaba. No entanto, assim como o projeto que criava Minas D’Oeste e redividia o Brasil em novos Estados, os trabalhos desta comissão não foram colocados em prática. Em suma, o projeto de emancipação do Triângulo continuou um sonho, e como nas décadas anteriores, ele volta ou recua, de acordo, sobretudo, com a relação da região com as autoridades estaduais mineiras. Certamente, o momento mais importante desta luta foi a campanha desenvolvida a partir de 1967, que teve como resultado, a eleição de um representante da região - Rondon Pacheco - como governador do Estado.

Entretanto, é fundamental perceber também as contradições deste movimento, que, ao mesmo tempo que se colocava enquanto uma campanha de oposição e resistência, ele assumia também, por exemplo, o apoio à ditadura militar. Em resumo, nunca tratou-se de um movimento popular que reivindicasse mudanças radicais; ao contrário, era uma campanha que interessava mais as classes dominantes da região, que se sentiam lesadas com a "exploração fiscal estadual".

Portanto, a campanha separatista foi um importante elemento ideológico para levar toda a região - independente das diferenças e contradições sociais - a lutar contra um "inimigo comum": o Estado de Minas Gerais. As campanhas por obras na região, contra impostos abusivos, etc., atendiam mais aos interesses dos dominantes do que efetivamente às classes trabalhadoras. A bandeira emancipacionista, assim deve ser entendida como um aspecto significativo da ideologia dos grupos dominantes, e não simplesmente como um movimento do "povo do Triângulo" que lutava por sua independência.

http://www.profelipe.pro.br/artigo1.htm

 

O Liberal  

Não à divisão do Pará         

Osvaldo Melo*

A divisão territorial do Brasil é um assunto que está em pauta há muitos anos. No governo do falecido presidente Ernesto Geisel, durante o regime militar, por exemplo, o então ministro do Interior, Maurício Rangel Reis, chegou a apresentar um estudo neste sentido. A veemente reação da classe política e da própria sociedade impediu que o plano ganhasse fôlego. Mesmo assim, porém, surgiu a fusão do Rio com a antiga Guanabara, consumou-se a divisão do Estado de Mato Grosso e houve a transformação de Rondônia (até então Território Federal) em Estado. Ao mesmo tempo, no Congresso Nacional, o deputado Siqueira Campos lutava pela divisão de Goiás para criação do Estado do Tocantins, o que viria acontecer poucos anos depois.

No ano de 1980, o governo federal encaminhou ao Congresso o projeto de lei complementar nº 133, que dispunha sobre a criação de territórios federais. Cabendo a mim, na época, o papel de relator desse projeto na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, emiti parecer contrário às teses separatistas. Inspirou-me também na decisão a tentativa que, na época, se fazia na Assembléia Legislativa do Pará com vistas à criação do Estado do Tapajós, prevendo a inclusão de uma parte do Baixo Amazonas e tendo como capital a cidade de Santarém.

Poucos anos depois, estando eu ainda na Câmara dos Deputados, pude participar a convite, na Assembléia Legislativa do Pará, de um seminário que tratava exatamente do separatismo. Nesse seminário, disse eu que não deveriam vingar as propostas para criação de territórios e/ou desmembramento do nosso Estado, desde que a classe política paraense se mantivesse unida e coesa, acima das siglas partidárias. “Todos os partidos já se manifestaram contra (a divisão) e, como o assunto depende de deliberação legislativa, conforme prevê a Constituição Federal, é de se esperar que não prosperará nenhuma tentativa com essa finalidade”, afirmei na ocasião.

De fato, as tentativas feitas na época não prosperaram, mas isso não quer dizer que as teses divisionistas estavam desaparecidas por completo. E tanto não estavam que, nos últimos anos, elas voltaram a ganhar força. Desde o final do ano passado estão tramitando, no Congresso Nacional, projetos que prevêem a criação de quinze Estados. Esses projetos, caso venham a ser aprovados, vão alterar profundamente a atual feição geográfica do Brasil e acarretar perdas territoriais consideráveis a diversos Estados. Entre eles, principalmente Amazonas e Pará, mas também Mato Grosso, Bahia, Pernambuco, Maranhão e Piauí.

O Estado do Amazonas teria seu território fracionado para a criação de cinco novos Estados - Rio Negro, Solimões, Juruá, Uirapuru e Madeira -, enquanto o Pará daria origem a três novos Estados: Xingu, Carajás e Tapajós. A proposta de divisão territorial do Pará e do Amazonas, bem como do Mato Grosso, para a criação de dois novos Estados, resulta da iniciativa de um único parlamentar - o deputado mineiro Pimenta da Veiga, ex-presidente nacional do PSDB e ex-ministro das Comunicações. Matreiramente, porém, o deputado mineiro, tão ousado quando se trata de dividir as terras alheias, não se atreveu a propor a divisão do seu próprio Estado, embora seja muito forte, por lá, o movimento em prol da criação do Estado do Triângulo Mineiro.

Caso todos esses projetos venham a ser aprovados, o que é que vai acontecer? As despesas no Congresso Nacional vão aumentar com a incorporação de mais 128 deputados e 32 senadores. Só com a instalação das novas unidades, os cofres da União, já sabidamente esvaziados, vão despender uma cifra não inferior a R$ 15 bilhões, em cálculos considerados bastante modestos. E, a isso, acrescente-se o fato de que os novos Estados terão que contrair e realizar em caráter permanente despesas bastante vultosas, com a montagem de suas próprias máquinas administrativas, além da instalação das assembléias legislativas, dos tribunais de Justiça, dos tribunais de Contas e do Ministério Público.

Além do custo financeiro, extremamente elevado, o separatismo acarreta também ônus sociais, políticos e ambientais nada desprezíveis. No caso específico do Pará, a quem pode interessar o retalhamento de seu território, a não ser pela satisfação de ambições políticas de pessoas ou grupos minoritários, interessados apenas na conquista ou ampliação do poder político? O povo paraense deve estar preparado para reagir a tais aventuras e dizer não aos oportunistas, posicionando-se contra o separatismo e a favor da integridade territorial do Estado.

*Político

 Fonte:www.ufpa.br/imprensa/clipping/clipping%2003%2002%202003.htm