Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


26-05-2023

Os Árabes em Sesimbra por Maria do Céu Carvalho Dias



Sesimbra vista do castelo


Por Maria do Céu Carvalho Dias*
Fotografias: Miguel Nuno de Carvalho Dias

Sesimbra é um município de cerca de 38000 habitantes espalhados por três freguesias, rodeado de elevações a norte, leste e oeste, banhado pelo Oceano Atlântico a Sul e a Oeste, localizado a uns 30 km a sul de Lisboa, ficando portanto na margem sul do rio Tejo e também à mesma distância da cidade de Setúbal. A actividade económica dividia-se pela agricultura, pesca e actividades extractivas, embora hoje a construção civil e o turismo ultrapassem aquelas. Ao longo do ano há festas que mobilizam os habitantes e são chamariz para o turista, como a Festa do Senhor Jesus das Chagas (4 de Maio) e o Carnaval.
Como escrevi noutro episódio, também nesta terra a investigação tem contribuído para mostrar o legado islâmico. Há pouco tempo foi descoberta uma placa epigráfica árabe na gruta 4 de Maio: é de madeira compacta, rectangular, com 58 centímetros de comprimento por 15,5 de largura e 1 centímetro de espessura. 

Segundo uma arabista esta placa poderia servir para o estudo do Corão e da língua árabe e é provavelmente do século XII, talvez da altura em que os cristãos conquistaram pela 1ª vez o Castelo de Sesimbra e por isso os árabes a esconderam. Numa outra gruta – Lapa do Fumo – ocupada desde a Pré-História e, na Idade Média por eremitas islâmicos provenientes do Norte de África, foram encontrados oitenta quirates de prata, moedas islâmicas cunhadas em Silves (pelo menos algumas) no século XII e algumas panelas do mesmo século.

Se estas marcas provam a presença muçulmana por estas paragens, a história de Portugal também. Como já sabemos esta ensina-nos que Portugal nasceu no século XII, que os reis de Portugal continuam o movimento da Reconquista iniciado no século IX, embora os Árabes nem sempre o permitam. D. Afonso Henriques, depois de conquistar Lisboa e Santarém em 1147, em 1165 passa o rio Tejo conquistando Palmela e chegando a Sesimbra que toma aos mouros. 

Mas como a Reconquista é feita de avanços e recuos, ainda no século XII os muçulmanos reconquistam várias praças portuguesas, atacando por terra e mar e destruindo o castelo de Sesimbra. 

Em 1201, Sesimbra recebe Carta de Foral (documento com os direitos e deveres duma povoação) do rei D. Sancho I. Assim, esta comunidade cristã, essencialmente rural, embora também ligada ao mar, vai-se desenvolvendo. O controlo militar, administrativo e a organização dos seus recursos e das suas gentes vai centrar-se no Castelo, entretanto reconstruído.
O Castelo fica num morro junto ao mar e é o cartão de visita da praia de Sesimbra. Desde D. Sancho I sofreu vários acrescentos e modificações, tendo sido praticamente abandonado nos séculos XV-XVI, quando os habitantes foram descendo para a zona ribeirinha, onde a vila de Sesimbra cresceu. Hoje tem sido recuperado e reaproveitado como obra cultural e memória dos sesimbrenses. O acesso é fácil e no espaço interior até tem uma cafetaria para um agradável lanche. É rodeado de muralhas, apresenta baluartes construídos posteriormente para as protegerem e também sofreu com o terramoto de 1755. Do lado nascente encontramos a parte mais antiga - a Alcáçova com a Torre de Menagem e uma cisterna, subterrâneo da Casa do Alcaide e para abastecimento da população. Esta torre não se apresenta semelhante às da mesma época, mas é “uma torre de vigilância reaproveitada, como sucede noutros locais do contexto peninsular fronteiriço, pela reutilização da primitiva torre de atalaia islâmica de forma quadrangular, à qual se adossou uma cerca.” Só mais tarde, do lado poente é construída outra torre, a Torre Nova, que se assumiu como vigia marítima. Neste Castelo viveu uma população, ora influenciada pela cultura islâmica, ora pela cristã, como o provam as cisternas, os silos, um lagar, os vestígios de cerâmicas islâmicas (loiças, telhas e até peças de jogo) e uma Igreja do século XII- XIII, embora reconstruída posteriormente.


 

Castelo de Sesimbra



As marcas árabes são também visíveis na toponímia: ligada à pesca – xávega, almadravas, ou arrais; Azóia, Zambujal, Almoínha, Aiana, Alfarim, Amieira, Apostiça, Albufeira, Arrábida. Em expressões, como “Anda mouro na costa”, já referida no texto anterior. Em várias lendas, como a das Mouras Encantadas numa Cisterna do Castelo, que malévolas como eram queriam impedir os amores do pescador Vicente com a sua amada Laurinda, talvez moura, talvez cristã, que apareceu morta junto da cisterna, num dia de temporal. Conta a lenda que o pescador despertou as mouras que queriam ser desencantadas e, como o Vicente não lhes fez a vontade, elas vingaram-se na Laurinda. Portugal está cheio de lendas de mouras ora boas, ora más, mas esta história fez com que os pescadores sesimbrenses não mais fossem ao Castelo em dias de chuva e vento.

Próximo de Sesimbra fica a Serra da Arrábida e o Cabo Espichel que poderão ter sido, provavelmente devido à magia dos lugares altos, zonas de devoção mágico-religiosa desde tempos muito recuados. É provável, assim o dizem os especialistas, que o culto católico a Nossa Senhora do Cabo (Espichel) existente desde pelo menos o século XIV, seja uma reactualização do da época muçulmana em que já se organizavam peregrinações religiosas. Acrescentemos ainda outros aspectos:
- Muito próximo fica a Ermida da Memória que tem forma cúbica e zimbório semiesférico, recordando a Caaba de Meca. Terá sido morada de algum ermitão ou túmulo de algum santo venerado pelos muçulmanos e, provavelmente originou o nascimento, a poucos kilómetros, da povoação ainda hoje existente: Azóia. É curioso que a crença actual leva a atirar moedas para dentro dessa Ermida esperando os milagres divinos, fazendo os especialistas paralelismo com a crença árabe.
- O topónimo Arrábida em árabe significa convento fortificado para guardar fronteira, o que poderá lembrar o local onde habitavam homens santos guerreiros que meditavam, mas também combatiam por Alá.

Vivo há mais de 30 anos em Sesimbra e por isso aproveito o facto de os árabes terem passado por aqui para vos apresentar o seu diversificado legado. Venha a Sesimbra: Pode ser que lhe apareça uma Moura Encantada! Usufrua do bom tempo e da praia. Experimente a gastronomia sesimbrense. Observe o Património construído.

Bibliografia

(1) Sesimbr’acontece, Outubro’10.
Ferreira, Luís Filipe Pinhal - “Da Pedra ao acorde: O Castelo de Sesimbra”
Marques, Luís - ”O Paraíso no “fim do Mundo”, O culto de N. S. do Cabo”.
Pato, Heitor Baptista - “Nossa Senhora do Cabo - Um culto nas terras do fim”
Torres, Cláudio; Macias, Santiago – “O Legado islâmico em Portugal”

Leia também os episódios anteriores da série sobre os Árabes em Portugal publicada pelo blog Do Capibaribe ao Tejo:
Os Árabes - Origem, expansão e presença em Portugal:
http://docapibaribeaotejo.blogspot.com/2010/11/os-arabes-origem-expansao-e-presenca-em.html
Os Árabes/os Muçulmanos – Hoje no Mundo e em Portugal:
http://docapibaribeaotejo.blogspot.com/2010/11/os-arabesos-muculmanos-hoje-no-mundo-e.html
Costumes ou tradições árabes:
http://docapibaribeaotejo.blogspot.com/2010/11/costumes-ou-tradicoes-arabes.html
Os Árabes: a Herança ou o Legado em Portugal:
http://docapibaribeaotejo.blogspot.com/2010/12/os-arabes-heranca-ou-o-legado-em.html

Maria do Céu Carvalho Dias é formada em História pela Universidade Clássica de Lisboa