Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


01-04-2023

Da arabização e islamização ao domínio cristão do território: Século XII Carlos Guardado da Silva


Da arabização e islamização ao domínio cristão do território: Século XII 

Carlos Guardado da Silva* 

 

O conteúdo do presente capítulo encontra-se ausente da última monografia publicada sobre Torres Vedras, intitulada Torres Vedras: passado e Presente (Torres Vedras: Câmara Municipal, 1996), se excetuarmos as duas referências hoje difíceis de aceitar, presentes nas p. 63-64, designadamente a existência de uma conquista cristã em Torres Vedras, assim como o facto de o seu território ter ficado sob domínio islâmico logo em 1148. 

 

Todavia, tal é tão-somente possível, pelos longos anos de investigação profícua, que reúne contributos múltiplos, quer diretamente provenientes dos Encontros Turres Veteras, quer indiretamente, através da coleção Linhas de Torres e de outros títulos extra-coleção, e não se esgota aqui, tendo, neste particular, o Município de Torres Vedras uma política editorial ímpar em termos nacionais. 

 

O período romano 

A expedição de Décimo Júnio Bruto, ocorrida em 137 a.C., integrou Lisboa no domínio romano, e incluiria a região de Torres Vedras no territorium de Olisipo, instituída município por Octaviano antes de 27 a.C., sendo o limite setentrional do município olisiponense marcado pela ribeira de Alcabrichel (a norte de Torres Vedras), pela serra de Montejunto e pela ribeira da Ota, até ao Tejo. 

No início da Era Cristã, era já notória a influência de Olisipo no território do oppidum (praça fortificada) de Torres Vedras, como vimos no capítulo anterior, encontrando-se naquele um elevado número de cidadãos romanos, a avaliar pelos cerca de 30 testemunhos epigráficos pertencentes maioritariamente ao Alto Império (séculos I e II), atestando uma profunda romanização da região. 

Em Torres Vedras, verifica-se a presença de indivíduos com ligação a Olisipo, alguns dos quais de origem itálica, testemunhando ligações entre as populações indígenas e colonizadoras. 

A título de exemplo, mencionamos o edil de Olisipo, identificado numa inscrição proveniente da ermida de São Julião, no territorium de Torres Vedras, de nome Q. Caecilius Q. f. Caecilianus, assim como o epitáfio de Q. Coelius Aquila, filho do duúnviro Q. Coelius Cassianus, uma figura destacada da sociedade do municipium de Olisipo, na época de Cómodo (180-192 d.C.), pertencente à gens Cassi, atestado numa inscrição proveniente de uma villa (não localizada) em Dois Portos. 

No territorium de Torres Vedras encontra-se também documentada a presença da tribo Galéria, confirmando, deste modo, a sua pertença ao Município de cidadãos romanos de Olisipo (Lisboa). * 

 

Quanto às populações que ocupavam este espaço, as fontes referem de modo genérico os Lusitanos (Lusitani), presumindo-se, na senda de Amílcar Guerra, que o termo se reporte a uma determinada organização administrativa implantada pelos romanos. Sendo assim, esta terminologia englobaria populações de origem celta, encontrando-se sob esta designação as populações pré-romanas com uma língua integrável no grupo céltico, de que é exemplo o topónimo Ierabriga (junto a Alenquer), sendo o elemento -briga usado, muito provavelmente, para a formação de nomes de lugares habitados. Ou ainda o topónimo Eburobrittium (cidade romana localizada na várzea de Óbidos, em parte sob a A8), denunciando o elemento Brittones a origem celtizante do topónimo2. O conjunto de vestígios epigráficos e arqueológicos comprova, também, a presença de uma população numerosa, disseminada no território em torno do vicus, habitando na sua maioria em villae, algumas de ricos proprietários do município de Olisipo. A agricultura constituía a base da economia regional, permitindo escoar os excedentes para o grande mercado de Olisipo. Mas também estavam certamente presentes as atividades marítimas piscatória e comercial. Aqui se inclui o comércio de longa distância, de que dois achados orientalizantes – um oinochoe e uma asa de ‘braseiro’ – são bons testemunhos. 

 

O nome Turres Veteras 

Desconhecemos, porém, se fora Turres Veteras o seu nome primitivo ou se antes deste teria a designação de Chretina, tendo-a, em momento e razão que desconhecemos, alterado para Turres Veteras. Chretina é um topónimo de origem grega tardia, que parece derivar da palavra latina ‘creta’, com o significado de argila. O topónimo é dado apenas a conhecer pelo geógrafo alexandrino Ptolomeu, que o situa a cerca de 50 quilómetros a norte de Olisipo, pela estrada Olisipo-Conimbriga por Loures, o que a permite situar em Torres Vedras. Tratar-se-ia de uma aglomeração secundária, mas cujo destaque se deveria à sua importância viária e económica, com a categoria de mansio (albergue), uma vez que se encontrava no limite de uma jornada3. Afastada se encontra, desde há muito tempo, a identificação de Turres Veteras com Arandis, em virtude de, quer o Itinerario de Antonino, quer a Geografia de Ptolomeu, situarem este lugar no Alentejo. Independentemente do seu primitivo nome, as fontes medievais cristãs fixaram o nome , grafado primeiramente na sua forma latinizada Turres Veteras. Um topónimo que se justifica pela referência a fortificações locais antigas, talvez em ruínas, a ‘torres velhas’, cuja construção remonta provavelmente ao período romano ou a época posterior, tratando-se, a confirmar-se esta hipótese, de um ?i?n (fortaleza). Sabemos que turris era palavra usada no Império Romano quer tivesse o significado de torre, como parece mais provável, quer fosse usado como equivalente de villa, não se atribuindo, neste caso, a uma povoação. 

 

leiam mais este interessante estudo em  

https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/50965/1/Da%20arabiza%C3%A7%C3%A3o....pdf