28-04-2023Ana-Alice S. Pereira DUAS OU TRÊS COISAS SOBRE O DONBASS in Publico MILITANTE DO PS E MEMBRO DA COES – CORRENTE DE OPINIÃO ESQUERDA SOCIALISTA
Portanto, depois de há dias ter ouvido um certo comentário do senhor director de O Público, de seu nome Manuel Carvalho , e por respeito para com as pessoas que aqui me dão a atenção de me lerem, acho que devo dizer duas ou três coisas, não em resposta ao dito, que ele não me vai ler, mas só para que não nos tomem por parvos. Disse Manuel Carvalho, no Manchetes 3 da RTP, “Historicamente, a Crimeia não é território da Ucrânia, como é o Donbass.” So, first city first. Comecemos pela cidade de Donetsk, a maior e mais importante cidade do Donbass. Donetsk foi fundada em 1869 pelo engenheiro galês John Hughes (oui, galês do País de Gales), que obtivera uma concessão do governo do Império Russo para explorar minas de carvão e estabelecer a primeira empresa metalúrgica da região. Hughes, que tinha vasta experiência empresarial na área, fundou então a New Russia Company, Lda, e chegou à terra que viria a ser Donetsk com todo o equipamento necessário para instalar a metalurgia, carregado por oito navios, e mais de uma centena de técnicos, operários e mineiros galeses. Nas proximidades da vila cossaca de Alexandrovka (cossacos do Don) Hughes construiu um bairro para os trabalhadores das suas indústrias. Ambas as localidades acabaram por se fundir sob o nome de Yuzovka (a partir do nome do seu fundador, Hughes, em russo, ??, “Yuz”). A cidade prosperou puxada pelas indústrias mineira e metalúrgica, atraindo muita população camponesa para aí trabalhar, principalmente de origem russa, e mais uns quantos imigrantes do País de Gales. Em 1924, aquela que era o coração industrial da Rússia, foi repatizada Stalin (em homenagem ao próprio e em alusão à economia da cidade – do russo ????? “stal”. aço) e logo depois Stalino. Donetsk só ganhou o seu nome actual em 1961, por iniciativa de Nikita Krutchev, que, na sequência da denúncia dos crimes de Stalin [pois, foi a própria cúpula do poder soviético que denunciou os crimes do “Pai dos Povos”, não foi nenhum “tribunal internacional”] iniciara um processo de “desestalinização” da União Soviética. A capital do Donbass integrava a República Socialista Soviética da Ucrânia, onde os bolcheviques, nas pressas da Revolução, tinham administrativamente “arrumado” todo o Donbass e a “Novorossya” (Nova Rússia) de Catarina II. Foi justamente Catarina II que, na sequência das guerras com o Império Otomano, trouxe para o Império Russo as Terras Selvagens (????? ????, “Dikoe Pole”, literalmente “campos selvagens”), vastas extensões de estepe habitadas por povos nómadas e que faziam fronteira com o Hetmanato de Zaporizhzhia (cossacos ucranianos) e com as terras dos cossacos do Don. (Sobre o Hetmanato de Zaporizhizhia já falei num post anterior.) O Donbass (que significa bacia do Donets) era parte da Novorossya. Algumas das cidades ucranianas (originalmente russas) de que hoje ouvimos falar todos os dias foram fundadas por decreto de Catarina II, que incumbira da missão o seu general e amado Gregory Potemkine: Kherson, em 1778; Dnipropetrovsk, em 1787, como Ekaterinoslav; Mykolaiv, em 1789, como Niokolaiev. Curiosidade: foi também por decreto de Catarina II que foi fundada Sebastopol, em 1783, na Crimeia, e Odessa, em 1794. Porém, já antes de Catarina II o Donbass tinha sido aberto ao povoamento por estrangeiros. Exemplo disso foi o estabelecimento da Slavo-Servia, em 1753, que ocupava uma faixa das agora regiões de Luhansk e Donetsk, e que devia o seu nome ao facto de ter sido povoada por cristãos ortodoxos vindos sobretudo da Sérvia, mas também da Roménia, Bulgária, Grécia e outras zonas dos Balcãs. O centro administrativo da Slavo-Servia era Bahkmut (sim, essa Bahkmut). Mas ali ao lado, os Cossacos do Don tinham, cerca de um século antes, estabelecido a aldeia de Br?ants?vka, que haveria de dar origem à cidade de Soledar. O Donbass foi sempre um mosaico de povos e de culturas. As facilidades concedidas pelo Império Russo para acelerar o povoamento da região atraíram grande número de estrangeiros. A partir da segundo metade do século XIX, as oportunidades de trabalho proporcionadas pela industrialização foram chamariz para muita gente de outras zonas de Império. O último censo do Império, mesmo no final do século XIX, registava que metade da população do Donbass era de origem ucraniana, um terço era de origem russa e a restante uma mistura de gregos, alemães, sérvios, judeus, tártaros e outros. Em Mariupol, por exemplo, mais de um terço da população era de origem estrangeira, nem russa nem ucraniana. Todas estas gentes de diferentes origens foram-se misturando e moldando, fundindo e progredindo ao longo de mais de dois séculos. Era este Donbass multiétnico, multicultural e bilinguístico que integrava a Ucrânia independente em 1991 e que, após o golpe de Maidan, os governos ultranacionalistas de Kiev se têm empenhado em “ucranizar”, inclusive negando às suas populações o direito de verem reconhecida a língua russa como língua oficial da região, a par com o ucraniano. Em tempos fui bastante próxima de uma família ucraniana de Donetsk, irmão e irmã que emigraram para Portugal no início deste século. O pai dele é russo, a mãe é ucraniana. Em 2014 a família ficou dividida, o irmão “pró-ucraniano” e a irmã “pró-russa” praticamente deixaram de se falar. Eu que não sou propriamente um coração mole, estava a ver de fora e não tinha nada a ver com o assunto, sentia uma profunda tristeza com a situação. Aliás, de tal maneira o Donbass faz “historicamente” parte da Ucrânia que a Republica Popular da Ucrânia, que existiu como país independente entre 1918 e 1921, não incluia essa região. Nem a Crimeia. (Ver mapas nos comentários.) Não pretendo com este post justificar nada, nem defender se o Donbass deve ser parte da Ucrânia ou parte da Rússia. Isso é assunto demasiado sério, demasiado sensível e até demasiado doloroso, para ambas as partes, para ser tratado ao correr das teclas aqui. (Ainda que tenha para mim que AGORA, estando as posições tão extremadas, a Rússia não largará o Donbass, como nem sequer aceitará discutir a Crimeia.) Só não nos queiram fazer de parvos, que a gente não consente! Um senhor director de um jornal que já foi de referência deveria documentar-se melhor antes de opinar. Se eu, que tenho aqui umas dezenas de leitores atentos, tenho um trabalhão de respeito cada vez que escrevo um post destes (não tenho as datas todas na cabeça e há que ter responsabilidade quando se escreve para outros lerem), o que se deve esperar de quem é bem pago para botar palavra nos canais que nós pagamos todos os meses é que tenha um mínimo de competência e de respeito pelo público, que somos nós. Imagem: brasão da cidade de Donetsk
________________________________________________________ Donbass: The Ukrainian satire that's too real (Image credit: Pyramide Films)By Caryn James7th April 2022 The fiction film Donbass was made in 2018; and now it's "more like a documentary laced with Alice in Wonderland absurdism", writes Caryn James. "As far as Ukrainians are concerned, the war has been going on for eight years already," the Ukrainian director Sergei Loznitsa told Indiewire last month, soon after the Russian incursion into his country began. There is no more artful evidence than Loznitsa's own fiction film Donbass, a vivid kaleidoscope of life in parts of Eastern Ukraine that have been controlled by Russian separatists since 2014. Made in 2018, the film is only now about to open in the US, is currently streaming in the UK; and it is timelier than ever. It is being promoted as a satire, which is fair enough, but now lands more like a documentary laced with Alice in Wonderland absurdism. Beyond offering valuable context for the war, Donbass reveals how art can be an intimate, eye-opening counterpart to what we're seeing on the news. The name Donbas, a region of Ukraine bordering Russia, now registers more than it might have two months ago because the area is a flashpoint of the ongoing war. Loznitsa's film is set in 2015, a starting point of the conflict. The year before, separatists backed by Russia took control of the cities of Donetsk and Lahansk in the Donbas region, declaring them independent republics. Ever since, armed combat has continued between the Ukrainian army supported by volunteers, and the separatist troops supported by Russia. On 21 February of this year, when Vladimir Putin officially recognised those two republics, it was a prelude to his invasion of Ukraine three days later. In 13 lively, loosely-connected episodes ranging from Grand Guignol humour to tragedy, the film depicts characters including separatist and Ukrainian soldiers with their tanks and guns, an ordinary businessman, and a drunken bride and groom. Loznitsa writes in a director's note that he gathered real-life personal accounts and spun them into these representative, fictionalised stories. Although this is his fourth feature, he is also known for archival documentaries, including State Funeral (2019), about the national mourning after Stalin's death. That documentarian's instinct and his artistry combine beautifully in Donbass. Loznitsa has lived in Germany for more than 20 years, but his loyalty is clear from the words that appear on screen to establish the film's setting: "Occupied Territory, Eastern Ukraine." The theme of lies and deception under authoritarian rule is established right away, too. The first vignette takes place in an actors' make-up trailer, but we soon learn they are not cast in a movie. As they wait for their cue to move on to the street, we hear a blast. These actors are pretending to be horrified at a faked bus explosion, appearing in a bogus news report that will be glimpsed on TV in the background of a later scene. The connections between episodes are that fluid and sly. And the hand-held camera that tracks the actors running toward the explosion site adds a verité touch that Loznitsa uses effectively throughout. There are some dark comic turns. In one of the most effective episodes, a Ukrainian man arrives at the Russian-controlled police headquarters to retrieve his stolen car. Instead, a police official asks him to sign the car over to the republic. The tone gradually darkens, as the illogical world of Alice in Wonderland gives way to that of Kafka. At first hapless and confused, the car owner realises that the official, in the way of all authoritarian regimes, is not really asking him a question. But mordant humour is balanced by set pieces that are eerily close to today's news reports. A woman on a bus is heard telling her seatmate that she is heading home to see how much of her house is left after the neighbourhood was shelled. Later, the film enters an underground city bomb shelter. A gaunt man guides us through as if talking to a reporter, revealing a dank, miserable place, without heat, running water or a working toilet. In the most brutal, revealing episode, separatist soldiers chain a volunteer for the Ukrainian army, his face bloodied and the Ukrainian flag draped around his shoulders, to a pole on a busy city street. Young men jump out of a red car and taunt him. A granny pokes him with a stick and smashes a tomato in his face. Eventually a crowd gathers, beats him and yells "Kill him". They also call him a fascist, just as other Russian loyalists in the film claim Ukraine is full of Nazis and fascists, echoing Putin's discredited claim that Russia has now entered Ukraine to rid it of Nazi influences. The scene is the film's most visceral, and a reminder of how complex the cultural situation is, with many ethnic Russians and loyalists in Donbas. That episode leads into a garish, drunken wedding at a city hall, with a cackling middle-aged bride in white and her husband looking barely able to stand, surrounded by their Russian loyalist friends. The scene seems comic, but that sense soon curdles. The red car from the previous scene pulls up, with the belligerent guys as wedding guests. Amidst the raucous laughter, one of them pulls out his cell phone to gleefully show his friends video of the Ukrainian volunteer being beaten. The mastery of tone and style explains why Loznitsa won the best director's prize for Donbass in the Cannes Festival's Un Certain Regard section. Still, for many of us, especially in the West, the film is likely to be confusing here and there. It would have been helpful, for example, if the subtitles had let us know who's speaking Russian and who's speaking Ukrainian. But it is worth a bit of confusion for a film so powerful and immediate, and made with such a lucid artistic vision. In the news, the Russian defence ministry has stated that their "main goal" is now "the liberation of Donbas", to officially take control. And recently, US intelligence reportedly learned that Russia's immediate goal is to take over Donbas by early May. On screen, the film Donbass ends by returning to the make-up trailer where it started. You might guess that Loznitsa will reveal that everything so far has been faked, but no. The situations he presents are all too realistic and harrowing, as the fate of the people in the trailer makes clear. ????? Donbass opens in cinemas in the US on 8 April and is currently streaming on Prime Video in the UK. Love film and TV? Join BBC Culture Film and TV Club on Facebook, a community for cinephiles all over the world. If you would like to comment on this story or anything else you have seen on BBC Culture, head over to our Facebook page or message us on Twitter. And if you liked this story, sign up for the weekly bbc.com features newsletter, called The Essential List. A handpicked selection of stories from BBC Future, Culture, Worklife and Travel, delivered to your inbox every Friday.
|