Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


14-02-2023

O FIM DA CULTURA E O MEU AURELIÃO - Francisco Seixas da Costa


Fico sempre triste quando sei do fim de uma livraria. Leio agora que a rede de livrarias Cultura, no Brasil, entrou em falência.

Muitas e belas horas passei em algumas dessas lojas, bastando-me olhar para qualquer estante em minha casa para logo descortinar resultados dessas peregrinações.

A mais bela das Livraria Cultura era em S. Paulo, na Avenida Paulista (na imagem), espaço que eu já conhecia como os dedos das minhas mãos, sabendo onde encontrar tudo aquilo que me interessava.

Em Brasília, onde vivia, não obstante a Cultura ser num shopping um pouco distante de minha casa, em muitos fins de semana me passeei de lá, saindo ajoujado de sacos com coisas que li e com outras que apenas tive o imenso gosto de comprar - porque, aprendi, só há uma coisa melhor do que ler um livro: comprá-lo!

Um dia, ocorreu um episódio curioso. Como sou um maníaco de dicionários, ainda antes de ir viver para o Brasil tinha a intenção de vir adquirir dois dicionários brasileiros clássicos: o Aurélio e o Houaiss.

Numa das minhas visitas à Cultura, em Brasília, encantei-me por uma recente edição do Aurélio, o monumental trabalho de Aurélio Buarque de Holanda (a relação familiar com o Chico do mesmo nome não é próxima), num só volume, vulgarmente conhecido pelo “Aurelião”. Curiosamente, nem era muito caro nem muito pesado, dado ser em papel bíblia, não obstante as suas 2020 páginas.

Na mesma noite, depois do jantar, perdi uma boa meia hora na curiosa busca da definição brasileira para certos vocábulos bem portugueses, saltitando por aquele imenso volume.

A certa altura, tive uma surpresa: uma palavra bastante banal faltava no dicionário! C’os diabos! Não era possível! Foi então que dei conta de que não figuravam, nesse ponto do volume, várias páginas - outras faltariam num local correspondente, na outra parte de um caderno que, por lapso, tivera essa falha.

No dia seguinte, logo de manhã, pedi ao meu motorista, ao Daniel, que, com o recibo da compra na mão, fosse à Cultura apresentar o problema e pedir a troca do livro.

Ao final do dia, ao trazer-me de volta a casa, ele contou-me a reação do empregado da Cultura que o atendeu: “Esse seu patrão deve ser muito estranho! Veio aqui ontem, comprou um livro de mais de duas mil páginas e você vem, na manhã seguinte, dizer que faltam algumas folhas. Como é que ele deu conta disso? O homem passou toda a noite a contá-las?”