Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


05-08-2022

A Torre do Tombo e a história : Os coentros e os sefarditas


Maria Glória Rodrigues  ·Trouxe da História Islâmica (adaptado)

Os coentros e os sefarditas

Na Espanha, o uso gastronómico do coentro vem sendo redescoberto em anos recentes, pois, apesar de ser uma omnipresente no Mediterrâneo, durante os últimos 500 anos a sua associação cultural à culinária judaica sefardita e moura islâmica foi motivo de muita suspeita e até de morte devido à Inquisição Espanhola, e, portanto, foi substituído pela salsa, ainda mais popular hoje em dia.

Como um exemplo deste passado criminoso do coentro, temos o caso do judeu convertido Juan Sánchez de Exarca de 1486, condenado à morte por suas práticas ‘’judaizantes’’ após o batismo, como preferir Moises a Jesus e, claro, usar coentro como tempero. O medo de ser denunciado como possível herege por um vizinho ou desafeto, e acabar preso, torturado e morto por heresia e ‘’falso batismo’’, apagou o uso dos coentros na culinária hispânica.

A planta é referida na bíblia judaica como gad e kusbar na Mishná. Na Torá, o coentro é mencionado duas vezes, sendo comparado ao maná, em Êxodo 16:31 e em Números 11:7-8.

Sobre ele, disse o famoso teólogo e médico judeu ibérico do século XII Maimônides: “O coentro entra em todos os pratos (...) porque vai bem com a comida no estómago e não passa depressa antes de ser digerido.’’

O coentro era utilizado na preparação de muitos pratos kosher pelos judeus sefarditas , o que contribuíu ainda mais para a sua fama de comida de judeu.

A evidência do uso generalizado, tanto gastronómico como medicinal, da kazbara, coentro em árabe, na Ibéria medieval islâmica está registrada em livros de receitas do século XIII, como do estudioso murciano Ibn Razin al Tujibi, e no Kit?b al-Tabikh, no qual de suas 543 receitas, 112 contêm coentro.

A histeria relacionada com o que era gastronomicamente considerado cristão ou judeu-muçulmano na Espanha pós-Reconquista produziu inúmeras mudanças dietéticas no país, como o abandono do coentro e do cuscuz, considerado prato de mouro, e a exaltação febril da carne de porco, proibida pelo judaísmo e islamismo.

Estes traços culinários entretanto foram mais preservados em Portugal, que, apesar de inquisitorial como a Espanha da mesma época, possuía uma abordagem menos sensível a este respeito, onde o uso do coentro foi não só mantido como transmitido à gastronomia de suas colónias. No nordeste do Brasil o coentro predomina gastronomicamente em detrimento da salsa.

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