Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


10-06-2008

Ortografia Carlos Alberto Faraco


Ortografia


  Artigos

UMA MUDANÇA NECESSÁRIA

Carlos Alberto Faraco*

Texto publicado, a pedido, no jornal Gazeta do Povo, de Curitiba, no dia 2/10/2007. O jornal tem uma coluna semanal em que põe lado a lado dois artigos – um com análise favorável e o outro com análise desfavorável – sobre um determinado tema.

Como princípio geral, podemos afirmar que, por razões econômicas, sociais e educacionais, a ortografia de uma língua deve ser o mais estável possível. Mudanças ortográficas devem ser raras. Se eventualmente necessárias, devem ser pontuais, alcançando apenas aspectos marginais ou excessivamente incongruentes.
Se só raramente devemos mexer na ortografia, o que justifica, então, as mudanças que, definidas por Acordo assinado em 1990 pelos países de língua oficial portuguesa, estão agora em vias de ser implantadas?

Há duas boas e fortes razões: vamos eliminar excessos e incongruências que ainda persistem na nossa ortografia e, ao fazer isso, vamos alcançar aquele que é o objetivo maior da reforma – resolver de vez a esdrúxula situação de uma língua com duas ortografias concorrentes: a lusitana e a brasileira.
O nosso sistema ortográfico tem, reconhecidamente, um excesso de regras de acentuação e uma área a que falta um mínimo de racionalidade: o uso do hífen. O Acordo altera positivamente este quadro.

De um lado, elimina nada menos que sete regras de acentuação (todas inúteis). Permanecem apenas as regras de amplo alcance. O sistema de acentuação perde em número e ganha em generalidade, o que facilita  seu uso e seu ensino.
Quanto ao hífen, alcança-se também um razoável grau de generalidade no seu uso em palavras formadas por prefixos. Hoje há, neste caso, uma lista de nove regras que apenas listam particularidades. O Acordo define duas regras bem gerais, mantendo apenas quatro  particulares. Não é pouca coisa, como bem sabem todos os que escrevem.
Mas o melhor resultado do Acordo é o fim da duplicidade de ortografias. Esta duplicidade não seria, em princípio, um problema, já que as diferenças não são de tal monta que interfiram na compreensão dos textos.

No entanto – e este é um ponto que raramente aparece nos debates –, Portugal transformou a duplicidade de ortografias em um instrumento político para embaraçar a presença brasileira seja nas relações com os demais países lusófonos, seja na promoção internacional da língua.
No fundo (embora isso nunca seja claramente dito), Portugal teme a “brasilianização” da língua (afinal, 85% dos falantes estão aqui) e tenta  nos neutralizar, praticando uma política da língua que busca sempre nos deixar em plano secundário.
Há, por exemplo, sob o pretexto da diferença ortográfica, impedimentos à livre circulação de livros com a ortografia brasileira nos demais países lusófonos. Isso aumenta os custos editoriais: o mesmo livro, para circular em todos os territórios da lusofonia, precisa ter duas impressões diferentes.

Caso emblemático é o do Dicionário Houaiss. Este que é o maior dicionário da língua, para poder circular também em Portugal e nos outros países lusófonos, teve de ser editado em duas versões ortográficas. Podemos facilmente imaginar quanto custou essa “brincadeira”. E este é apenas um de incontáveis casos. O Brasil tem, portanto, claros prejuízos culturais e econômicos com a duplicidade de ortografias.

Pelo mesmo pretexto, nunca conseguimos uma ação conjunta na certificação de proficiência em português como língua estrangeira e na promoção internacional da língua. De que adianta o português ser a  terceira língua européia em número de falantes (só perde para o inglês e o espanhol), se esta vantagem quantitativa não tem se transformado numa vantagem política?

Num mundo em que várias línguas estão em extinção por terem poucos falantes e em que as “grandes” línguas lutam para garantir um equilíbrio frente à expansão do inglês, o português se vê apequenado porque quem deveria ser nosso parceiro age como nosso antagonista, tendo a diferença de ortografias como pretexto.

Superar essa situação é condição necessária para orientarmos novas maneiras de gerir politicamente a nossa língua e garantir sua projeção, seja no interior dos próprios países que a tem como oficial (nestes, com exceção de Brasil e Portugal, ela não é ainda sequer hegemônica), seja no plano internacional.

*Professor Titular (aposentado) de Língua Portuguesa da UFPR