17-07-2007 A Galiza e a língua portuguesa - Ângelo Cristóvão
Ângelo Cristóvão *
Permita-me "falar" algo de mim, como excepção. Sou licenciado em psicologia, na especialidade de psicologia social. Na faculdade interessei-me por questões de epistemologia, dediquei algum tempo a estudar e praticar métodos e técnicas de investigação nas ciências sociais, interessei-me depois pela sociolinguística, e ultimamente pela história das línguas europeias, mas a minha actividade principal é a de empresário. Sim, um empresário preocupado com as questões da língua e da cultura, um caso raro, mas empresário.
Tenho sempre presente algo que li não sei onde: que um país com futuro é aquele em que se investe capital privado em actividades de interesse público. Por lógica, os países sem futuro são aqueles em que o dinheiro público é investido para proveito privado.
Da Galiza vê-se o mar, vê-se também Portugal. A Espanha não se vê porque é como um sentinela estrangeiro omnipresente, como um ruído permanente, o teu ouvido acaba habituando-se, não sem perda de capacidade auditiva. Dizem que em dias claros, da torre de Hércules da Crunha, até pode ver-se a ilha de Irlanda, donde veio em tempos
míticos o nobre celta Breogão, o mesmo que é cantado e lembrado no nosso hino: nação de Breogão.
A primeira vez que li o hino português pensei que se tratava de um texto propositadamente belicoso. "Às armas" não parece uma frase muito pacífica, e deixou-me uma impressão negativa. Depois, com o tempo, percebi a importância dos símbolos e as tradições. Aprendi que esse hino, o da República, tinha como destinatários os ingleses:
Contra os bretões, marchar, marchar! Bom, o hino é um resultado de uma revolução nacionalista no contexto do Ultimatum inglês, por sua vez resultado do Mapa Cor-de-Rosa, de Angola a Moçambique.
Na Galiza existe uma tendência, que começa a ser geral nos ambientes universitários, a ler tudo quando é produzido abaixo do rio Minho.
Há cada vez mais galegos que podem opinar sobre Portugal com conhecimento de causa, mas não há nenhum vice-versa, porque de Portugal, olhando para o Este, dizem que se vê a Espanha e até, quando o vento é favorável, chega o cheiro das flores de Timor.
Olhando para o sul, dizem que se vêm os PALOP. Virando os olhos ao
Oeste, logo se percebe o Brasil. E para o norte? para o norte está Inglaterra.
A verdade é esta, para os portugueses em geral, e para os notáveis em especial, a Galiza é invisível, e o catálogo de escusas para continuar a ignorá-la completamente é imenso. Talvez se tivéssemos uma décima parte do petróleo descoberto na Guinea Ecuatorial, algum político português lembraria que falamos português há mais de 800
anos e citaria na Assembleia da República o artigo da constituição que obriga o estado a defender e valorizar a língua portuguesa lá onde é falada. Enquanto não aparecerem os hidrocarbonetos continuaremos a fazer coisinhas de algum valor, e outras de mais
valor, porque somos conscientes de que o nosso futuro não depende do que somos, depende do fazemos.
O acordo entre a ABL e o Ministério da Cultura só pode parece-me bom, e pessoalmente aspiro a que a nossa Academia, em processo de constituição, possa ser reconhecida de alguma forma nas instituições da CPLP. Mas isso só poderá vir no prazo de vários anos.
* Ângelo Cristóvão, Galiza 16.07.07
Fonte: br.groups.yahoo.com/group/dialogos_lusofonos/
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