20-05-2022RUBEN A.(1920 – 1975) – OU LOUCO OU GOZÃO
O escritor Ruben A. (1920 – 1975), pseudónimo de Ruben Alfredo Andresen Leitão, possuía um espírito tão singular, independente e irreverente, e destoava tanto do paradigma literário com a sua escrita inovadora, caótica, surreal, sem se ater a convenções ou regras limitadoras, que Salazar, pela leitura de um dos seus livros, "Páginas II" (um dos seis volumes redigidos num misto de diário e ficção, editados entre 1949 e 1970), indignadíssimo, considerou que a obra ou era de um louco ou de um sujeito que se propunha rir dos leitores: «Caiu-me ontem debaixo dos olhos um livro, Páginas II, de Ruben A., que me dizem ser leitor de Português em Londres, escolhido portanto ou patrocinado pelo Instituto de Alta Cultura. Pertence a uma boa família do Porto – Andresen, creio. O livro, ou é de um louco ou de um sujeito que, tendo dinheiro para pagar um livro de dislates, se propôs rir-se de todos nós. Há páginas inteiras ininteligíveis e irredutíveis na análise das regras da gramática portuguesa, recheadas de termos de invenção do Autor e formadas sem tom nem som. Explora-se o reles, o ordinário, o palavreado porco, não só da língua literária, mas do falar corrente. As porcarias, obscenidades, palavrões juncam o livro. Em certas passagens é chocarreiramente desabrido com os ingleses. Parece-me que o livro pertence a uma onda modernista, e não é caso para a Censura é para o polícia de costumes. Mas se o Autor é leitor em Londres, nessa qualidade temos nós de ver o que escreve e como escreve. Em conclusão: o Autor não pode representar Portugal nem ensinar português [Ruben A. era professor de português no King's College, em Londres, como bolseiro do Instituto para a Alta Cultura]. Este é que é o ponto essencial a tratar com o Instituto de Alta Cultura. E já não falo de certas taras morais ou sexuais do livro onde se vê que o Autor deve pertencer aí a um círculo de pessoas que a polícia persegue…» Porém, como o reitor inglês da Universidade de Londres não se deixou intimidar por Salazar meses mais tarde, em julho de 1951, este escreve ao ministro Pires de Lima: «Só hoje me mandaram os seus cartões e papéis relativos ao leitorado de Londres. Devolvo estes. Não há objeção ao que se pretende (dado?) que o maluco do homem tem habilidade e competência para o cargo.» Tunga! |