Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


08-05-2008

O Filólogo de Plantão Nº 56 maio-junho 2008


O FILÓLOGO DE PLANTÃO
(Suplemento ao No. 56)
Publicação do CiFEFiL - Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Lingüísticos.
Ano 12 – No 56. Rio de Janeiro, Abril- Maio e Junho de 2008.

 
UMA PIADA DE PORTUGUÊS
José Ribamar Bessa Freire - 16/12/2007 - Diário do Amazonas
Quinta-feira, 13 de dezembro. Hora do almoço. O chofer da camionete chapa branca, apelidado de ‘Malandro Carioca’, pára na garagem do hotel. Desce o deputado Aldo Rebelo (PC do B - SP), trajando paletó azul e gravata vermelha. Encontra seu irmão caçula no restaurante. O garçom traz o menu. Alisando seu bigode, Aldo pede bife de filé no capricho, com purê de batata e, de entrada, salada de maionese com tomate e azeitona. Enquanto come, discute a guerra da CPMF e a crise política. No final, toma o indispensável cafezinho bem brasileiro e vai embora, depois de fazer um brinde, festejando a aprovação do projeto de lei contra os estrangeirismos.
O projeto, de sua autoria, proíbe o uso nos documentos oficiais de palavras estrangeiras importadas, sem especificar, no entanto, o momento histórico da importação. Obriga a mídia e outdoors (perdão, painéis) a traduzir, para o português, vocábulos de outras línguas. Determina que especialistas inventem palavras novas em português equivalentes a expressões usadas em áreas de inovação tecnológica. Os infratores serão punidos com multas, mas ainda não se sabe como. Aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o projeto volta agora ao Plenário da Câmara para votação final.
O deputado Aldo Rabelo vai transformar o cotidiano dos brasileiros num inferno, se o seu projeto for levado a sério, porque o português está repleto até o tucupi de estrangeirismos, a maioria dos quais, o falante comum nem imagina quando e de onde vêm. O próprio Aldo – coitado! – não vai poder andar de carro, comer, falar, beber, se vestir, ou alisar seus bigodes impunemente. Uma rápida análise do relato sobre o seu suposto almoço mostra que 95% das palavras ali usadas, as mais prosaicas possíveis, estão enquadras na proibição. Quer ver? Olha só!
As palavras restaurante, garçom, menu, filé, maionese, purê, conhaque e champanhe foram roubadas do francês, que, como todo mundo sabe, adora comer e beber e, além disso, exportou para nós milhares de galicismos como chofer, camionete, garagem, hotel. Aldo não pode degustar a culinária francesa, muito menos a batata cultivada em chácara, duas palavras quéchuas. Salada de tomate, nem pensar, é vocábulo nahuátl do México, tanto quanto chocolate. Bife é inglês e, se for no capricho, é coisa de italiano. Azeitona é árabe. Nem suco de abacaxi ou caju – palavras tupis – ele poderá beber. Suprime até o cafezinho, que todo mundo pensa que é brasileiro, mas é palavra árabe – qáhwa, exportada para a Turquia, onde virou kahvé e de lá, em, 1655, para a Itália, mudando para caffé, sendo então repassada para nós.
O deputado, faminto e com sede, encontra dificuldades em se vestir. Coerente com a defesa da língua portuguesa, tira o paletó tão francês quanto o sutiã, mas não pode substituí-lo por short, jeans e tênis, comprados no shopping, porque são anglicismos. Não pode ficar de camisa, porque se trata de uma palavra celta. O pijama é descartado porque vem do hisdustani, falado na Índia. Só de cueca e gravata vermelha, Aldo pode ser cassado por falta de decoro, como aconteceu com o deputado Barreto Pinto, que no final dos anos 1940 posou de fraque e cueca para a revista Cruzeiro.
Mas nem a gravata vermelha ele pode usar: gravata é crovatta, denominação dada pelos italianos aos croatas, inventores da dita cuja, e vermell foi trazida em 1380 do Oriente Médio por marinheiros catalães. Por isso, Aldo procura roupa alternativa costurada artesanalmente, mas descobre que alfaiate é estrangeirismo, um empréstimo do árabe, de onde também vem a cor azul do seu terno abandonado e vocábulos como almofada, xadrez, tarefa, laranja, guitarra e tantos outros. O deputado, então, só tem uma saída para manter sua fidelidade à pureza da língua portuguesa: ficar como os índios Tupis.
Nu, faminto, desesperado e com sede, Aldo tenta conversar com o irmão, mas omite a condição de caçula, estrangeirismo proveniente de língua africana igual a milhares de outros como vatapá, samba, cafuné, bagunça, moleque, bunda. Não pode discutir política, nem expor sua tese sobre a crise ou defender a democracia, porque são quatro termos gregos. Não pode falar de guerra (werra), nem mesmo fazer um brinde (bring ‘dir – eu te ofereço), que são germanismos. Aldo, então, é obrigado a ficar mudo como o ex-deputado amazonense Lupércio Ramos que ficou durante todo seu mandato. Mudo, despido, faminto e com sede, o autor do projeto, contrariando a doutrina social que professa, demite seu motorista, por não poder chamá-lo pelo apelido: Malandro é um italianismo como festejar e carnaval. Já a palavra Carioca, de origem tupi, foi incorporada com milhares de outras ao português do Brasil. Aldo, finalmente, cofia o bigode, mas é advertido que alisar é um termo da língua celta e bigode vem do alemão (bei got – por Deus). Por Deus, Aldo raspa seu bigode. Tudo pela pureza do português!
Desbigotado, nu, mudo, faminto e com sede. Aldo Rebelo pode ser salvo pelos especialistas que vão criar palavras novas e puras, em português legítimo e autêntico. Sua última esperança morre, quando lê o relatório produzido por eles sobre o Campeonato Brasileiro de Pé-na-bola, o esporte nacional, que inclusive exporta pebolistas para a Europa. No campeonato de 2007, Romário enfiou a bola na baliza, por baixo das pernas do guarda-valas, fazendo mil objetivos, muitos dos quais de tiro-livre. O deputado Aldo Rebelo, parlamentar combativo e honesto, pertence a um Partido de luta. No entanto, nessa questão, tem uma assessoria ingênua. Sua intenção é boa, mas a proposta é xenófoba, inoportuna e inexeqüível, três palavras horrorosas, banidas de sua cartilha. O português, como qualquer língua viva, tem uma história de contato com centenas de outras línguas. Emprestou e tomou emprestadas, sem pagar ou cobrar juros e sem ter que saldar os serviços da dívida. Embora o léxico seja a estrutura mais superficial da língua, talvez por ser mais visível, tem gente que acha, de forma simplista, que cada língua deve ter reserva de mercado discursivo do seu patrimônio lexical, e, que quanto mais palavras têm, mais rico é um idioma.
Os dicionários de qualquer língua estão cheios de estrangeirismos, dependendo da área de interesse de seus falantes, mas isso não torna uma língua melhor ou pior que outra. O escritor Fernando Morais conta que, em 1989, um filósofo angolano fez conferência numa universidade alemã. Na hora do debate, um alemão perguntou, arrogantemente, como era possível filosofar numa língua pobre como a do conferencista, com tão poucos conceitos abstratos. O angolano dividiu o quadro negro ao meio com um giz e pediu-lhe que escrevesse sinônimos alemães para os órgãos sexuais. O cara rabiscou, então, apenas duas palavras: fotze e gurbe. O angolano enumerou, do outro lado, mais de 200 palavras em sua língua, muitas das quais eram estrangeirismos.
Não existe nenhuma língua no mundo sem influência estrangeira. Mais de 50% das palavras do inglês, vieram do francês. Tudo bem. É ridículo o Berinho, atual Secretário de Cultura do Amazonas, denominar em inglês o festival de cinema que ele realiza com o dinheiro do contribuinte. Mas é só ridículo. O português não vai enfraquecer por causa disso. Se estrangeirismos se impuserem pelo uso e forem incorporados ao português, qual é o problema? A língua não vai deixar de ser portuguesa, por causa de palavras importadas. Ela continua pertencendo às comunidades que as falam e que sabem defendê-la. O que se deve defender é outra coisa. No mesmo dia e hora em que a CCJ aprovava o tal projeto, a Comissão de Educação e Cultura, indo num sentido contrário, se reunia em outro auditório da Câmara de Deputados de Brasília para discutir relatório sobre a Diversidade Lingüística do Brasil, onde são falados mais de 200 idiomas. Tive a sorte de participar da audiência pública. Fiquei emocionado, com a sensação de estar vivendo um momento histórico importante na vida do país. O deputado Carlos Abicalil (PT/MT), assessorado por lingüistas e técnicos do IFHAN, coordenados por Márcia Sant’Anna, fez um brilhante trabalho. Sou capaz de mudar de domicílio eleitoral só para votar nele.
O relatório considera que a diversidade lingüística é um patrimônio da humanidade, que deve ser – esse sim - defendido com unhas e dentes. No Brasil, essa riqueza toda é representada pelas línguas indígenas, pelas línguas das comunidades afro-brasileiras e dos imigrantes estrangeiros, pela Língua de Sinais (LIBRAS), mas também pelas variedades dialetais da língua portuguesa. O IPHAN, que vai fazer um inventário desses falares, propôs a criação do Livro de Registro das Línguas para garantir o direito dos falantes esse patrimônio de natureza imaterial.
Durante o evento, a representante da Unesco, Jurema Machado, anunciou que aquela instituição havia escolhido 2008 para ser o ano da diversidade lingüística. Foram distribuídas cópias do Diário Oficial da União de 12 de dezembro, contendo texto bilíngüe do acordo de cooperação entre a FUNAI e a OPIPAM – Organização do Povo Indígena Parintitin do Amazonas. O documento foi publicado em português e em língua Kagwahiva. É a primeira vez que isso ocorre na história do Brasil. Policarpo Quaresma, com “seu eterno sonhar, sua ternura e sua candura de donzela romântica”, não estava doido. Agora, ninguém mais vai rir dos ofícios que ele escreveu em tupi.

PS – Agradeço as informações sobre a origem das palavras aqui citadas ao filólogo Jean Corominas (1905 – 1997), autor do Dicionário Etimológico.
ALGUNOS FALSOS AMIGOS
(Chamam-se falsos amigos as palavras espanholas semelhantes ou iguais a outras do português, mas com significado diferente)
Abarcar (abranger). “Quien mucho abarca, poco aprieta”, dice el refrán.
Abonar1 (pagar; adubar). El cliente ya abonó su factura.
Abonar2 (adubar). El labrador abona la tierra de cultivo.
Aburrido/a (enjoado/a). Esos chicos dijeron que la fiesta estaba muy aburrida.
Aceite (azeite, óleo). El aceite mineral es muy usado en la industria.
Acordar (fazer acordo). Los concejales acordaron arreglar algunas calles.
Acostado/a (deitado/a). Rosa dijo que a las once de la noche ya estaba acostada.
Acrianzado/a (criado/a, educado/a). Se conoce que su hijo ha sido bien acrianzado.
Achacar (acusar, culpar). Sus enemigos le achacaron delitos que él no había cometido.
Afanado/a (esforçado/a). Nosotros nos afanamos para conseguir este resultado.
Apellido (sobrenome). Pérez es un apellido muy común en España.
Apenas (quase não). Le pregunté por su primo pero me dijo que apenas lo veía.
Apurado/a (apressado/a). No puedo esperarte porque estoy muy apurado.
Arrestar (prender). La policía arrestó al sospechoso del crimen.
Arresto (La pena que le impusieron fue un mes de arresto.
Aula (sala de aula). Hoy tenemos clase de Matemáticas en un aula próxima a la vuestra.
Azahar (flor de laranjeira). El perfume de azahar es muy agradable.
Bachiller (diplomado de secundário). Francisco ya ha terminado el curso. Ahora es bachiller.
Balcón (sacada). En los balcones de algunas casas ponen plantas con flores.
Berro (agrião). En aquel restaurante servían ensalada de diversas legumbres, entre ellas berros.
Billón (um milhão de milhões). En español un billón equivale a un millón de millones.
Bolso (bolsa de senhora). Algunas jóvenes sólo usan bolsos de la última moda.
Borracho/a (bêbedo/a). Bebieron tanto vino que se quedaron borrachos.
Botiquín (estojo de primeiros socorros). El médico siempre llevaba consigo un botiquín.
(Sigue en el próximo número)
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Tradução
(Traduza ao espanhol – Confira no próximo número)
Telefone e computador
Pelo telefone podemo-nos comunicar oralmente com outras pessoas. Ele pode ser fixo ou celular. Este pode levar-se no bolso, na bolsa ou numa pasta, mas é muito prático porque se pode usar em quase todo lugar, porém, às vezes, há limitação de alcance da distância. O fixo pode conter uma secretária eletrônica e receber ou registrar a chamada, se o destinatário estiver ausente.
Já o computador usa-se mais para a comunicação escrita. Usa-se o mouse para escrever e a mensagem pode ser enviada por internet a e-mails de qualquer parte do mundo.