Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


10-06-2022

A NATO E A EUROPA - UMA RELAÇÃO COLONIAL por Carlos Matos Gomes


por Caros Matos Gomes , no FB

No meio da deliberada confusão com que somos entontecidos, regressar ao básico, aos antecedentes esquecidos, ajuda a compreender o presente. Talvez ajude ir às razões e interesses que estiveram na origem da fundação da NATO.

As alianças político-militares são uma entidade tão antiga quanto a existência de sociedades politicamente organizadas. Goste-se ou não, algumas dessas alianças permitem a existência de pequenos estados com soberanias limitadas.

Portugal não seria um estado soberano sem a aliança com a Inglaterra desde a sua fundação. A aliança luso britânica foi, apesar dos desequilíbrios, mutuamente vantajosa. Sem ela Portugal teria sido englobado nas monarquias ibéricas em 1383, não teria recuperado a soberania em 1640, teria sido dividido entre a Espanha e a França em 1814.

A questão da NATO é completamente distinta de uma aliança militar de mútua vantagem e que assegure a soberania de qualquer estado europeu. A NATO é de facto é um instrumento de domínio de uma superpotência sobre uma parte do continente europeu.

A entrada de Portugal na NATO constitui um bom exemplo de sobreposição dos interesses aos princípios: os Açores eram necessários aos Estados Unidos para se afirmarem na Europa no pós-guerra, logo a ditadura do Portugal de Salazar foi metida na NATO (o mesmo argumento que serviu há poucos anos para a entrada da Polónia e a Hungria na NATO e na UE, são regimes ditos “iliberais” (ditaduras orgânicas), mas as suas bases são úteis. O mesmo argumento está a ser utilizado para a integração da Ucrânia.)

A questão de Gibraltar é idêntica, pela rédea contrária: era um ponto forte inglês e não espanhol, logo a ditadura de Franco na Espanha não entrou na NATO, porque não era necessária e os ingleses não a queriam lá.

A NATO não foi criada para garantir a paz, a democracia e a segurança na Europa, a NATO foi constituída para impor e assegurar o estatuto de superpotência aos Estados Unidos após a derrota da Europa (a dos Aliados e a do Eixo) na II GM e para impor esse estatuto à outra potência vencedora, a URSS.

Daí que ela surja logo em 1949, ainda a URSS tratava das grandes feridas da guerra. Uma guerra que deixara o território e o potencial dos EUA intactos. Estes objetivos reais da criação da NATO (a primeira Carta do Atlântico é de 1941 e assinada entre os EUA e a Inglaterra — o que explica muita das atitudes inglesas) não são nem bons nem maus em si, são os que resultam dos interesses dos EUA e do seu aliado privilegiado, o Reino Unido.

Os Estados Unidos criaram a NATO como uma potência colonial cria uma administração num continente afastado — o que eles fizeram com o Plano Marshall — e com um exército de ocupação.

Quando a URSS implodiu, os Estados Unidos tinham 20 bases militares na Alemanha, mais de 200 mil soldados e julga-se que uma centena de ogivas nucleares.

A ameaça russa, ou da URSS à Europa Ocidental, ao continente NATO, foi sempre uma falsa ameaça. As forças terrestres e aéreas da URSS nunca dispuseram de capacidade para lançar um ataque à República Federal da Alemanha, quanto mais avançar até Paris, ou até Londres vinte ou trinta anos após a derrota de Hitler! Ainda hoje não conseguem estabelecer-se com facilidade numa estreita faixa no Leste da Ucrânia!

Mas essa fantasia foi assumida e difundida como doutrina oficial na Europa e aceite como dogma pelos europeus! Todos os políticos e militares europeus — com escolaridade básica — sabiam e sabem da mentira que estava na base da criação da NATO! A invocação da ameaça russa justificava e disfarçava a sujeição da Europa aos EUA, a subalternização da Europa Ocidental, tratada como uma colónia, à semelhança do que a URSS fazia com os estados caídos na sua órbita após os acordos de Ialta e Potsdam.

De Gaulle percebeu e teve a coragem de assumir as consequências, retirando a França do exército NATO — é significativo que De Gaulle tenha desaparecido das referências dos atuais dirigentes europeus!

A saída airosa desta falácia foi encontrada pelos pais fundadores da atual UE, os políticos do Tratado de Roma, que criaram uma organização não diretamente conflituante com a NATO para desenvolverem uma política de libertação dos EUA.

É curiosa a comparação da criação da Confederação do Carvão e do Aço, do Benelux, da CEE (1957) com as organizações formalmente de cariz social, desportivo, religioso, cultural que os independentistas africanos criaram antes da rutura com as potências coloniais.

A CEE constituiu uma organização-máscara de um movimento autonomista dos países centrais da Europa continental e os Estados Unidos entenderam-no como tal e utilizaram a NATO para impedir que uma União Europeia assumisse o estatuto de potência global autónoma, ou até regional.

Tiveram sempre o Reino Unido como sabotador deste projeto de União Europeia, criando tensões permanentes que chegaram à rutura do Brexit — uma rutura inesperada e indesejada, porque a sabotagem interna seria sempre mais eficaz e menos custosa que a feita do exterior — para assumir esse papel houve que escolher um personagem risível e sem uma gota de caráter — Boris Jonhson — o homem para todo o serviço.

É ele, como fora Blair para a guerra do Iraque, quem na Europa mais besoura a favor da intensificação da guerra à medida dos interesses dos EUA na Europa. É ele o reverso do Churchill dos ingleses, ou o Churchill que os americanos arranjaram sob a figura de truão. É um John Bull de feira, que representa a decadência do Reino Unido e da Europa.

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