16-01-2022Adeus Fidalgo 1940-2022: D. Fernando de Sousa Botelho de AlbuquerqueRuy Vieira Nery Consultor do Conselho de administração na Fundação Calouste Gulbenkian escreveu no FB D. Fernando de Sousa Botelho de Albuquerque, 7º Conde de Vila Real, 6º de Melo e de 4º Mangualde, e herdeiro de mais uma quantidade de distinções nobiliárquicas (das quais a mais curiosa foi sempre para mim a de ser também, por direito hereditário, Senhor da Ovelha do Marão). A fidalguia do Fernando a que me refiro vinha-lhe de uma certa maneira de olhar a História a partir de um forte sentimento de continuidade que o ligava espiritualmente a gerações sucessivas da sua família e à Casa multissecular em que todas tinham vivido, e que ele encarava não como uma fonte de distinção mas sobretudo como uma linha de transmissão de um ónus de responsabilidade – de responsabilidade pessoal e de responsabilidade pública – a cada nova geração. A Casa de Mateus tinha de estar de pé, em toda a sua dignidade, e as suas terras tinham de produzir vinho, azeite e fruta, porque era essa a missão histórica que sempre lhe tinha cabido, mas não tanto – e sem qualquer dúvida não só – pelo estrito interesse dos seus proprietários mas porque tinha esse papel histórico de continuar a ser um ícone emblemático da região, um polo de desenvolvimento local, uma fonte estável de emprego para a população, um símbolo de continuidade das produções locais tradicionais e porque lhe cabia a ele, Fernando, o ofício de zelar pelo cumprimento dessa missão, como os seus antepassados o tinham feito. E como muitos dos Morgados de Mateus se destacaram no passado pela sua acção de promoção das Artes e das Letras – entre eles o 4º Morgado, D. Luís António, o Governador iluminista de São Paulo, que aí fez edificar às suas custas um dos primeiros teatros de Ópera públicos da América Latina, ou o 5º, D. José Maria, que em 1817 fez imprimir em Paris a edição monumental dos “Lusíadas” s – o Fernando Albuquerque naturalmente assumia também como parte dessa missão herdada dos seus antepassados a causa da promoção da Cultura. Para o meu olhar arreigado de plebeu republicano e de homem de Esquerda esta lógica aristocrática era-me completamente estranha e até, no limite, incompreensível, mas depressa percebi, na prática, que os seus resultados eram bem concretos. Mateus ali estava, preservada com um desvelo incansável e aberta a milhares e milhares de visitantes como uma das maravilhas do Barroco português, as vindimas sucediam-se ano após ano para produzirem alguns dos melhores vinhos portugueses, as hortas da Casa davam tomates com um perfume e um sabor que eu já me tinha esquecido que podiam existir. E, graças à dedicação do Fernando, Mateus promoveu os primeiros e os mais relevantes cursos internacionais de Música Antiga, com nomes fundamentais como Gustav e Marie Leonhardt, Max von Egmont ou Anner Bylsma. Todos os Verões, num raio de acção que se espalhava pelas igrejas de cidades, vilas e aldeias Douro afora, havia dezenas de concertos com artistas como Teresa Berganza, Dalton Baldwin, Moura Limpany, Dagoberto Linhares e tantos mais, muitas vezes em lugares onde nunca antes se tinha ouvido uma nota de Música Clássica. E havia depois o Prémio Dom Diniz, uma das mais prestigiadas distinções literárias portuguesas, os seminários de tradução que juntavam poetas de toda a Europa, os encontros de reflexão sobre as grandes temáticas da contemporaneidade inspirados pelo clima de concentração e de diálogo sereno e discreto que a Casa suscitava. Deixei de me preocupar com a aparente bizarria das motivações arcaicas que porventura podiam levar o meu Amigo Fernando a dedicar-se deste modo à causa em que acreditava para admirar nele o homem de Cultura humanística invulgar, o engenheiro capaz de pôr em andamento e manejar esta máquina complexa e multifacetada perante desafios sempre novos, o gestor visionário que conseguia obter e combinar esforços e recursos de todas as fontes disponíveis, com uma persistência e uma teimosia irresistíveis e sem outra ambição que não fosse a de viabilizar a sua obra. O meu Amigo Fernando Albuquerque, que era realmente um verdadeiro fidalgo, neste sentido que procurei explicar, deixou-nos agora de uma forma trágica. E perante a dor da sua morte só me consolam a consciência de ter podido participar durante tantos anos em alguns dos seus projectos, mesmo que numa pequeníssima proporção face à escala do empreendimento, e a memória da sua inteligência, do seu entusiasmo, do seu senso de humor e do carinho que ele e a Maria Amélia sempre demonstraram para comigo. Adeus, fidalgo. _____________ DIRETOR-DELEGADO DA FUNDAÇÃO CASA DE MATEUS MORRE AOS 80 ANOS Faleceu D. Fernando de Albuquerque Conde de MateusLusa em Sex, 14/01/2022 - 23:16 O diretor-delegado da Fundação Casa de Mateus, Fernando de Sousa Botelho de Albuquerque, morreu na madrugada de hoje aos 80 anos, anunciou aquela instituição. Em comunicado publicado no seu ‘site’, a Fundação Casa de Mateus retratou Fernando de Albuquerque como um “homem do seu tempo” que acompanhou “sempre de perto a reconstrução do Portugal democrático” ao leme da instituição. Fernando de Albuquerque nasceu em Lisboa, a 04 de dezembro de 1941, tendo dedicado “grande parte da sua vida ao desenvolvimento do legado” do pai, fundador daquela instituição com sede em Vila Real. A morte do diretor-delegado da fundação acontece pouco mais de um mês depois de ter sido distinguido com a Grã-Cruz da Ordem do Infante pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. Em 2011, a fundação tinha sido reconhecida com o grau de membro honorário da Ordem do Infante D. Henrique pelo então chefe de Estado, Aníbal Cavaco Silva. De acordo com a Fundação Casa de Mateus, Fernando de Albuquerque deixou como “marcos de uma ação constante” os seminários Repensar Portugal, iniciados em 1978, a “transformação do panorama da música antiga em Portugal com a criação dos Encontros Internacionais de Música da Casa de Mateus, a instituição do Prémio D. Diniz, em 1980, a criação do Instituto Internacional Casa de Mateus, em conjunto com todas as Universidades e Academias Científicas portuguesas, em 1986, ou ainda a inauguração da Residência de Artistas, em 1998”. Fernando de Albuquerque era graduado em Engenharia Química pelo Instituto Superior Técnico, diplomado em Indústria Alimentar pela Universidade de Louvain, na Bélgica, e foi professor assistente da Universidade de Luanda entre 1967 e 1970. Atualmente, era presidente do conselho de administração da Lavradores de Feitoria.
Presidente da República lamenta morte de “figura invulgar da cultura portuguesa”O Presidente da República lamentou hoje a morte de Fernando de Albuquerque, “figura invulgar da cultura portuguesa”, salientando que, sob a sua orientação, a Fundação da Casa de Mateus tornou-se “um exemplo admirável de abertura à sociedade civil”. “É com profunda tristeza que recebo a inesperada notícia da morte de Fernando de Albuquerque. Sob sua orientação, a Fundação da Casa de Mateus tornou-se, nas últimas décadas, um exemplo admirável de abertura da sociedade civil às tarefas de serviço público na esfera do património, da cultura e do mecenato”, lê-se numa nota publicada no sítio oficial da internet da Presidência da República. O diretor-delegado da Fundação Casa de Mateus, Fernando de Sousa Botelho de Albuquerque, morreu na madrugada de hoje aos 80 anos, anunciou aquela instituição. O Presidente da República atribuiu recentemente a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique a Fernando de Albuquerque, “figura invulgar da cultura portuguesa e amigo de longa data”, assinala-se na nota em que Marcelo Rebelo de Sousa apresenta à família “sentidas condolências”. “Vinda do interior de Portugal, de uma região tantas vezes esquecida, e de uma família que encarnou o mote ‘noblesse oblige’, a Fundação afirmou-se, apesar de todos os contratempos, como umas das nossas instituições mais coerentes e consequentes, com trabalho destacado nas áreas da música, das artes plásticas ou da literatura”, refere-se ainda na nota do Palácio de Belém. Em comunicado publicado no seu ‘site’, a Fundação Casa de Mateus retratou Fernando de Albuquerque como um “homem do seu tempo” que acompanhou “sempre de perto a reconstrução do Portugal democrático” ao leme da instituição. Fernando de Albuquerque nasceu em Lisboa, a 04 de dezembro de 1941, tendo dedicado “grande parte da sua vida ao desenvolvimento do legado” do pai, fundador daquela instituição com sede em Vila Real.
A Câmara de Vila Real destaca legado do diretor-delegado da Casa de MateusA Câmara de Vila Real disse hoje que o legado do diretor-delegado da Fundação Casa de Mateus, Fernando Albuquerque, é ”importante ao nível nacional” e “particularmente relevante no concelho” de Vila Real. Fernando de Sousa Botelho de Albuquerque faleceu hoje, aos 80 anos. O Município de Vila Real endereçou “as mais sentidas condolências” aos amigos e muito particularmente à sua família e salientou que o seu “legado, importante ao nível nacional, é particularmente relevante no concelho”. Ministra da Cultura realça legado de “maior importância”A ministra da Cultura, Graça Fonseca, lamentou hoje “profundamente” a morte de Fernando de Albuquerque, diretor-delegado da Fundação Casa de Mateus, destacando o legado da “maior importância e relevância na cultura portuguesa”. “A sua liderança permitiu que a Casa de Mateus se assumisse como epicentro de discussão e reflexão nas mais diversas dimensões da cultura portuguesa e, ao longo das décadas, a sua laboriosa ação permitiu a construção de redes e de parcerias de excelência a nível nacional e internacional”, referiu, em comunicado, o ministério liderado por Graça Fonseca. Salientou ainda que “Fernando de Albuquerque deixa um legado da maior importância e relevância na cultura portuguesa”, sendo exemplo disso os “Encontros Internacionais de Música da Casa de Mateus e a instituição do Prémio D. Diniz, um dos mais prestigiados prémios literários portugueses, tendo no seu já longo historial de premiados nomes da maior relevância na literatura portuguesa contemporânea”. “À família e amigos enviam-se sentidas condolências”, salienta.
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