Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


12-01-2022

AS RIVALIDADES POLÍTICAS ENTRE A FRENTE DE LIBERTAÇÃO NACIONAL DE ANGOLA (FNLA) E O MOVIMENTO POPULAR DE LIBERTAÇÃO DE ANGOLA (MPLA)


 

Margarida Castro

qua., 12 de jan. 22:31

 

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Fernando Paiva

 

[Forum Elos]

Conversa à sombra da Mulemba, in FB: A LUTA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL (XVIII)

AS RIVALIDADES POLÍTICAS ENTRE A FRENTE DE LIBERTAÇÃO NACIONAL DE ANGOLA (FNLA) E O MOVIMENTO POPULAR DE LIBERTAÇÃO DE ANGOLA (MPLA) - 1961-1975

É com base no grande ditado africano, “Quando dois elefantes lutam, o capim é que sofre…”,

que sugiro a leitura do livro do historiador gabonês Jean Martial Arsène Mbah, “As Rivalidades Políticas entre a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) e o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) (1961-1975). O livro corresponde à sua tese de doutoramento, na Universidade de Paris I (Panthéon Sorbonne, e foi escrito em 2005 sob a direcção da Professora Hélène d’Almeida-Topor.

Se é verdade que a história do Movimento de Libertação Nacional ainda está a ser feita, todos os dias por historiadores e investigadores contemporâneos, tanto angolanos como estrangeiros, que se debruçam sobre os Arquivos históricos das potências coloniais, bem como colecções particulares que em boa hora os seus patronos tiveram a ideia de organizar, continuam a surgir testemunhos escritos pelos seus protagonistas, que infelizmente são cada vez menos, sendo que muitos levam para o além, testemunhos de grande valor que se perdem para sempre. Este tipo de testemunhos são fundamentais para se compreender aquilo que de facto se passou nessas frentes de batalha, e que não seja a história oficial dos partidos no poder ou dos vencedores.

O grande valor desta obra de Jean Martial Arsène Mbah, consiste no facto de compilar as posições políticas de dois movimentos de libertação nacional angolanos, a União dos Povos de Angola/Frente Nacional de Libertação de Angola (UPA/FNLA), e do Movimento de Libertação Nacional de Angola, que desde o início da luta de libertação nacional em 1961, disputaram a primazia e a legitimidade das suas posições nessa luta. Se por um lado existe uma profusão de análises políticas, históricas e sociais, atribuídas a militantes ou simpatizantes do MPLA, o mesmo não não se pode dizer com a UPA/FNLA, e têm sido muito poucos os livros de história ou testemunhos políticos dedicados ao estudo daquele movimento.

Mais uma vez não vamos emitir qualquer juízo de valor sobre a qualidade da obra, nem sobre as conclusões a que o autor chega. O que podemos dizer e daí a nossa recomendação é que a qualidade da pesquiza e a forma como o autor enquadra as estratégias políticas e militares dos dois partidos é muito sugestiva e as conclusões que tira baseadas em aspectos estritamente políticos, evitam que se caia na armadilha da simplificação, e das conclusões precipitadas.

Boa leitura….

JEAN MARTIAL ARSENE MBAH

AS RIVALIDADES POLÍTICAS ENTRE

A FRENTE NACIONAL DE LIBERTAÇÃO DE ANGOLA (FNLA) E

O MOVIMENTO POPULAR DE LIBERTAÇÃO DE ANGOLA (MPLA) [1961 —1975]

“Este livro aborda o processo de libertação de Angola, examinando, em particular, as rivalidades políticas entre a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) e o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), desde início da luta armada, em 1961, até à independência de Angola, em 1975. É um livro que trata de vários assuntos ligados a esse processo, como a trajectória histórica dos movimentos de libertação e a sua anterioridade no campo da luta anticolonial; a paternidade dos acontecimentos do 4 de Fevereiro de 1961; as dificuldades da criação de uma frente unida das forças nacionalistas de Angola.

São ainda analisadas as dificuldades da descolonização de Angola, devido, justamente, às divergências dos signatários dos acordos de Alvor (Portugal), a incapacidade das autoridades portuguesas de assumir as suas responsabilidades e o fracasso do governo de transição. São igualmente examinados outros factores exógenos, mais particularmente as divisões no seio da Organização da Unidade Africana (OUA), expressa na dicotomia países «moderados» e «progressistas» e países radicais, bem como o confronto internacional entre os Estados Unidos e a União Soviética e respectivos aliados. A guerra civil e as intervenções militares estrangeiras no território angolano com a suas consequências na libertação do país, são também estudados.”

AS RIVALIDADES POLÍTICAS

“Este último pormenor justifica uma última observação determinante. A nossa primeira intenção era examinar este assunto sob o ângulo da história interna de Angola. Dito de outra forma, pensávamos fazer uma abordagem exclusivamente política. Nessa perspectiva, só depois de ter examinado as divergências dessa época, patenteadas por oposições muito vivas entre as diferentes sensibilidades nacionalistas angolanas, é que passámos a orientar as investigações para a análise desses conflitos. Note-se de resto, a esse propósito, que desde o princípio tudo deixava entrever o despoletar da violência dessas rivalidades. Encontrá-las-emos sob diversas formas nas particularidades ideológicas, políticas e sócio-culturais da FNLA e do MPLA, que serão analisadas mais adiante.

Além disso, sobre este ponto assinale-se desde já que a composição sociológica da direção da FNLA sempre foi largamente dominada por quadros bakongo. Estes últimos são de facto naturais do Norte de Angola e oriundos na sua maioria de meios rurais e/ou da velha aristocracia do antigo reino do Kongo. Diga-se ainda que esse movimento recrutava o essencial dos seus militantes no seio dos camponeses bakongo (etnia do Norte de Angola) e nos meios de emigrantes angolanos instalados no Congo Leopoldville (Antigo Zaire e actual República Democrática do Congo). A formação política desta elite teve lugar graças ao contacto com a colonização belga sediada em Leopoldville (Kinshasa actual), por vezes muito longe das realidades da sociedade angolana. De notar também que durante a guerra de Libertação nacional de Angola, ela se mostrou hostil a toda a forma de colaboração com angolanos de raça branca ou mestiços.

Organização nacionalista anti-comunista, a UPA-FNLA, por outro lado beneficiou durante muito tempo do apoio financeiro político e militar dos Estados Unidos, sobretudo da CIA (9), do Zaire e dos Estados africanos "moderados".

Pelo contrário, os dirigentes do Movimento Popular de Libertação de Angola são na sua maioria oriundos de meios urbanos da pequena burguesia angolana. Movimento nacionalista, preconizando desde a sua criação o ideal de uma sociedade multirracial em Angola, os quadros do MPLA são maioritariamente universitários mestiços e negros. São o que se chama “assimilados", formados nas universidades europeias. Contrariamente aos seus compatriotas da UPÁ-FNLA-GRAE, eles estavam directamente em contacto com as realidades coloniais em Angola e beneficiavam no estrangeiro de uma formação de nível universitário no seio de diferentes associações de estudantes (10), controladas directa ou indirectamente pelo Partido Comunista Português (PCP) (11). As posições radicais e anti-imperialistas do MPLA valeram-lhe o apoio financeiro, diplomático e militar da então União Soviética, de Cuba (sobretudo Cuba), dos países socialistas, escandinávios e os Estados africanos "progressistas".

Esta orientação das nossas investigações foi perturbada pelo facto de que a análise inicialmente se circunscrevia por um lado às alianças políticas e militares concluídas entre a FNLA e as potências ocidentais do mundo capitalista, e por outro às relações privilegiadas estabelecidas entre o MPLA e os países do bloco socialista. Posto isto, pode-se pressupor que os conflitos opondo estes dois movimentos podiam ser abordados sob o ângulo de um conflito ideológico entre um movimento de tendência capitalista — a FNLA -, e um movimento marxista-leninista — o MPLA. Mas à medida que o nosso estudo avançava esta ideia acabou por ser posta de parte. Porque, mau grado as alianças militares e a protecção diplomática dos países socialistas, o MPLA nunca foi realmente um movimento marxista-leninista.

A escolha de uma trajectória política obedece a motivações de uma outra ordem de ideias. O que desejamos com este trabalho, é demonstrar que é de facto possível, a partir de uma análise baseada em factos concretos históricos, abordar os conflitos armados em África pelo seu lado estritamente político, e isso sem necessidade de lhe atribuir um cunho forçosamente étnico, regionalista ou racial. Este estudo sobre Angola visa demonstrar isso mesmo. Visto que de alguma forma, as rivalidades entre a FNLA e o MPLA são antes do mais o resultado de rivalidades entre dirigentes. O engodo essencial dessas rivalidades era a conquista do poder pelas armas. E pode-se mesmo acrescentar a esse acto a sua imediata confiscação pelo vencedor. Á partir daí, o conflito relega a problemática sócio-cultural para o segundo plano.

Pode-se portanto afirmar que se trata realmente dum conflito de interesses. Com o passar do tempo ele foi tomando contornos subjectivos em virtude da oposição entre as duas personalidades políticas vindas de meios sócio-culturais e de formação ideológica tão distintos. É evidente que cada um deles encarna à sua maneira uma parte do nacionalismo angolano. Referimo-nos evidentemente aos casos de Álvaro Holden Roberto e António Agostinho Neto, respectivamente presidentes da FNLA e do MPLA As posturas dos dois homens não divergem sobre a estratégia e a natureza da luta a adoptar, nem sobre os meios a adoptar para a concretizar. De facto, o que eles alimentam em comum é uma mesma ambição: dirigir o país depois de conquistada a independência. E sob esse aspecto eles fomentam o desenvolvimento de uma oposição de liderança.

Ademais, ao mesmo tempo que iam combatendo o colonialismo português, a FNLA e o MPLA vão a dada altura passar a combater em três frentes: contra as tropas coloniais portuguesas, entre eles e, enfim, contra um terceiro movimento, a UNITA de Jonas Savimbi.

Não conseguindo impôr-se sobre o terreno da guerrilha, cada um dos dois movimentos de libertação nacional - tanto a FNLA como o MPLA - jogaram daí para diante a carta da legitimidade social, histórica e/ou política. E essa ambição dá um cunho muito particular à sua sobrevivência, na medida em que ela condiciona o seu reconhecimento a nível internacional.

Mesmo pondo de lado o aspecto sociológico, parece evidente que as circunstâncias históricas e políticas garantiam à FNLA e ao MPLA uma predominância na história do nacionalismo Angolano. E é tentador acrescentar que as primeiras dissensões têm origem nesse facto (ver primeira parte).

Porém pela simples razão de que a libertação do país não é unicamente política, mas também e sobretudo militar, a legitimidade é apanágio do primeiro que desencadeia a luta armada. E nesse ponto preciso os dois movimentos também rivalizam. O MPLA reivindica a paternidade das insurreições armadas do 4 de Fevereiro de 1961 em Luanda, enquanto que a UPA-FNLA faz o mesmo em relação às revoltas armadas do 15 de Março de 1961 no Norte de Angola.

A este nível da análise algumas interrogações se apresentam. Pode-se, por exemplo, perguntar sob que ponto de vista todas estas questões suscitam interesse. E diremos primeiro, porque na história contemporânea de Angola elas (essas questões) abrem a via a outras problemáticas intrinsecamente ligadas umas às outras. Assim, convém interrogarmo-nos sobre outras questões fundamentais, tais como: 1°) O MPLA foi fundado em 1956, como afirma a versão oficial? 2°) E a União das Populações do Norte de Angola (UPNA), foi fundada em 1954 como asseguram os seus dirigentes? 3°) O MPLA está realmente na origem dos levantamentos populares do 4 de Fevereiro de 1961 em Luanda? 4.º) Foi de facto a UPA que desencadeou as insurreições armadas do 15 de Março de 1961 no Norte de Angola? O aprofundamento destas questões fornecerá elementos de resposta susceptíveis de orientar o avanço do nosso trabalho.

O segundo ponto de interesse deste trabalho reside na possibilidade de ele permitir a abordagem de questões complexas e delicadas que, no contexto político anterior (13) teriam sido embaraçosas. Mas, naturalmente, depois da abertura democrática de Angola nos princípios da década de 1990, daí em diante elas inserem-se oportunamente no espaço próprio dos reptos políticos actuais, incentivando debates profícuos.

Entre os actores da vida política, temos por um lado o MPLA, instalado no poder desde1975 (em Luanda), e por outro, os adversários tradicionais, incluindo os dirigentes da FNLA (entre os quais Holden Roberto) que ainda hoje contestam a sua legitimidade. Também há uma franja que se poderia denominar "oposição interna" do MPLA. Nesta oposição, convém distinguir os militantes históricos do movimento, então clandestino, vítimas da repressão de 1959, dos membros da oposição que nasceu em meados da década de 1970, conhecida sob o nome de “Revolta Activa”. Todos eles são excluídos da cena política, em particular um grande número de antigos militantes. Eles põem profundamente em causa a versão oficial da história do MPLA". Além do mais, eles negam com veemência a responsabilidade do seu movimento nos levantamentos populares do 4 de Fevereiro de 1961. (15) Neste debate, a posição do presidente histórico da FNLA é por sinal bastante clara. Mas, será que ela traduz outra coisa além das decepções acumuladas pelos desaires sofridos face ao MPLA? Em todo o caso, nada contradiz que a primeira derrota militar de Novembro de 1975 face ao MPLA apoiado por forças cubanas, logo a seguir à proclamação da independência do país, não tivesse deixado sequelas graves. A segunda posição é puramente política. Uma posição relacionada com as primeiras eleições legislativas e presidenciais pluralistas de 1992. A FNLA, que continua a não reconhecer nenhuma legitimidade ao seu rival no poder, desta feita contesta a sua legitimidade. E, consciente da importância dos novos reptos políticos, tenta então reconstruir o discurso à volta dessa questão, reafirmando a sua anterioridade na cena política nacional. Mas também, embora timidamente, o movimento de Holden Roberto reivindica desde então a paternidade das insurreições populares do 4 de Fevereiro de 1961. Dadas estas circunstâncias, este trabalho visará mostrar de que maneira, os movimentos nacionalistas angolanos, por questões de interesse ligados à sua própria sobrevivência política, procederam a uma deformação da história na manipulação de factos históricos reais. O objectivo inicial era trabalhar sobre o conjunto dos três movimentos supracitados. Mas, por razões práticas, essencialmente ligadas às dificuldades encontradas no terreno, limitámo-nos aos dois mais antigos: A FNLA e o MPLA, portanto, em detrimento da UNITA. Entre as numerosas razões a que se deve esta mudança, há o problema das fontes. No que concerne o movimento de Jonas Savimbi foi uma dificuldade recorrente maior. Por duas vezes, aquando de estadias em Lisboa para as nossas pesquisas (verão de 1996 e 1997), providenciámos em vão contactos com a representação da UNITA. Os resultados foram uma grande desilusão. As dificuldades também provinham do facto de esse movimento, fundado em 1966, não ter sido reconhecido oficialmente antes de 1975, nem pelos seus rivais (a FNLA e o MPLA), nem pela comunidade internacional. Por essa razão, de resto, ele estará ausente de todas as fases das negociações inter-angolanas programadas em vista da reunificação dos movimentos nacionalistas.

Este trabalho está dividido em três partes. A primeira trata da evolução histórica dos dois movimentos nacionalistas angolanos estudados, abordando, no seu desenvolvimento, a questão ligada ao conflito da legitimidade histórica. Para atingir esse fim analisaremos o percurso histórico de cada um dos movimentos em cada etapa da sua evolução, segundo um método simples. Os pontos de partida serão específicos para cada um deles: para o MPLA, a criação nos anos cinquenta do Partido Cornunista Angolano (PCA) e do Partido da Luta Unida dos Africanos de Angola (PLUAA), e para a FNLA a da União das Populações do Norte de Angola (UPNA).

Levaremos em consideração as particularidades inerentes a cada um dos movimentos estudados. Por um lado, o MPLA levou mais tempo a afirmar-se no interior do país em virtude da insegurança criada por manobras da polícia política portuguesa: a PIDE/ DGS (Polícia Internacional e da Defesa do Estado/Direcção Geral de Segurança). A conjuntura vigente obrigou durante muito tempo os militantes a agir segundo as regras de uma estrita e implacável clandestinidade. Por outro lado, a estratégia política da UPA/FNLA foi por várias vezes objecto de modificações, segundo as necessidades impostas pelo desenrolar dos acontecimentos. Incontestavelmente os seus dirigentes beneficiaram de condições nitidamente mais favoráveis em Leopoldville, como por exemplo, apoio político e militar por parte das autoridades congolesas.

A segunda parte é essencialmente consagrada ao conflito centrado sobre "a legitimidade política". Ela aborda também a difícil e delicada questão dos levantamentos populares do 4 de Fevereiro de 1961 em Luanda, e as insurreições armadas do 15 de Março que tiveram lugar no Norte de Angola. Tentaremos ver ainda, se existe realmente um elo entre os principais actores dos movimentos de libertação nacional e os insurrectos de Fevereiro e Março de 1961. A terceira parte, quanto a ela, preocupa-se essencialmente sobre o processo de descolonização de Angola. Serão aí postos em evidência, o seu fracasso, os seus limites e a guerra civil. Um certo número de factores ligados à evolução de Angola também será analisado. Por exemplo, a incapacidade dos nacionalistas superarem os seus desentendimentos e o contexto geral do continente africano, dividido e consideravelmente submetido às influências e aos interesses antagonistas das potências estrangeiras. Enfim, avaliaremos o peso manifesto das rivalidades Este-Oeste insistindo sobre os impactos directos e indirectos das relações entre os Estados Unidos e a União Soviética na sua luta pelo controlo do mundo. O objectivo será aqui de demonstrar os efeitos destruidores de factores exógenos e a eventual existência de qualquer elo que os unam ao fracasso do processo de descolonização em Angola.

Como em qualquer trabalho de história este privilegiou dois tipos de documentos: as fontes escritas e as fontes orais, À parte isso, a pesquisa apoia-se também sobre outros instrumentos científicos, tais como obras gerais e especializadas tratando de certos aspectos atinentes à matéria abordada, trabalhos efectuados por outros autores sobre a questão, revistas especializadas e órgãos de imprensa da época.

1.º) As fontes de arquivos

As que foram utilizadas no quadro deste trabalho encontram-se em Portugal. Em Lisboa estão localizadas em pelo menos dois sítios: o Instituto dos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo (IANTT); os Arquivos Históricos diplomáticos (AHD) do Ministério dos Negócios Estrangeiros; os Arquivos da Fundação Mário Soares; os Arquivos do Centro de Informação e Documentação Amílcar Cabral (CIDAC). Isto sem esquecer, em Coimbra, os Arquivos do Centro de Documentação do 25 de Abril da Universidade de Coimbra.

Evidentemente que outros locais poderiam ter-nos dado satisfação em França e Portugal se a consulta de arquivos nos fosse possível. Trata-se dos Arquivos Históricos Ultramarinos e os Arquivos Militares em Lisboa. Os Archives du Service Historique de I'Armée de Terre (SHAT) em Vincennes, onde existe igualmente um fundo de arquivos sobre os movimentos de libertação nacional angolanos. Não sendo por ora autorizado o acesso a essa documentação - por força da lei dos arquivos - limitámo-nos a consultar os arquivos portugueses acessíveis.”

CONCLUSÃO GERAL

“O objectivo a atingir ao longo deste trabalho de pesquisa era antes de mais nada mostrar os elos existentes entre as divergências que separavam os movimentos de libertação e a guerra civil. É claro que esses antagonismos fragilizaram a guerra de libertação nacional, comprometeram o sucesso do processo de descolonização e independência, prepararam o terreno para a guerra civil. No entanto, elas pouco peso têm, em relação à pressão dos factores exógenos, que constituem no nosso ponto de vista a causa primordial da guerra civil em Angola.

A guerra de libertação de Angola, declarada num clima de divisão política internacional caracterizado pela divisão do mundo em dois blocos antagónicos, Este e Oeste, sofreu durante muito tempo as consequências dessa rivalidade. O contexto africano, marcado por regimes de partido único, as divisões dos países africanos em grupos ideológicos, desempenhando a função de "elos de transmissão" das potências imperialistas, e a impotência da OUA, também tiveram muito peso (1183). Nestas condições, nenhuma solução política da crise era possível. De resto, durante as negociações de paz, nenhum dos três movimentos manifestou a mínima vontade de chegar a uma solução pacífica. Assim, os acordos do Alvor e a formação de um governo de transição aparecem como decisões "impostas" pela antiga potência colonial, visto que os responsáveis angolanos jamais exprimiram qualquer desejo de partilhar o poder político (1184).

A Angola colonial, pela sua posição geográfica na África Austral, poderia constituir, com Moçambique, uma zona tampão entre a África sub-saariana independente e a África Austral.

O desmoronamento deste tampão importante na estratégia ocidental e sul-africana, representava uma séria ameaça para os interesses económicos e geo-estratégicos das potências capitalistas — aliados dos racistas Brancos — na sub-região da África Austral.

Este estudo também demonstrou de algum modo que a resolução global da crise angolana e as diferentes soluções em favor da paz não dependiam unicamente dos Angolanos.

Com a ajuda de novos documentos, o nosso trabalho trouxe elementos de resposta às interrogações que deram origem a esta pesquisa. Se a partir de agora é possível dizer que a criação do MPLA data do 10 de Dezembro de 1956, a responsabilidade dos seus dirigentes não está provada nos acontecimentos do 4 de Fevereiro de 1961, apesar da participação em número superior dos seus militantes. Por outro lado, a UPNA nasceu em Dezembro 1957 e não antes. A responsabilidade do movimento aquando das insurreições do 15 de Março é uma verdade, mas não as de Luanda (1885). O Movimento Popular de Libertação de Angola actualmente no poder em Angola alcançou os seus "sucessos" políticos e militares contra os seus adversários da Frente Nacional de Libertação de Angola e a União Nacional para a Independência Total de Angola, por ter sabido manobrar habilmente no decorrer da "primeira luta de libertação de Angola" contra as tropas coloniais portuguesas entre 1961 e 1974, A segunda vitória militar — adquirida graças à presença de tropas cubanas — foi obtida aquando da "segunda guerra de libertação que teve lugar de 1975 a 1976, contra as tropas estrangeiras vindas do Zaire e da África do Sul, consideradas pelo MPLA como forças de ocupação. Essa vitória militar tinha sido seguida de uma outra, conseguida no quadro da actividade diplomática e deu progressivamente origem ao reconhecimento oficial do governo do MPLA e à admissão da República Popular de Angola, primeiro na OUA e em seguida nas Nações Unidas.

No momento em que começávamos a preparar esta tese, a guerra civil prosseguia em Angola, mas o seu desfecho teve lugar antes do final deste trabalho. O MPLA triunfou definitivamente, conquistando a sua legitimidade política depois de ter sido crença geral nos primórdios dos anos noventa, depois da queda do muro de Berlin e da implosão do bloco socialista, que o seu poder tinha chegado ao fim. Nessa altura a conjuntura internacional retirava-lhe de facto os seus aliados do campo internacional. A partir de então o movimento soube adaptar-se à situação internacional, aceitando engajar o país pela via de reformas democráticas com instauração de um novo sistema político pluralista. Do mesmo modo que também aceitou jogar a carta democrática nas primeiras eleições gerais livres organizadas no país.”

Notas:

(9) STOCKWELL (John). A CIA contra Angola. Edição Ulmeiro & União dos Escritores Angolanos, 1ª Edição, Portugal, Setembro de 1979, 201 páginas, pág. 49. Este antigo agente da CIA, encarregado do dossier Angola, afirma na sua obra que o líder da UPA-FNLA-GRAE era o principal informador da Agency (CIA) os anos sessenta. Ver também Antoine Roses, Angola: guerre civile et interventions exterieures (1975-1986). Thèse de Doctorat Nouveau Régime en Histoire contemporaine, Universite de Nantes, 1966, 950 páginas.

(10) Como é o caso do Movimento de Unidade Democrática (MUD Juvenil) no seio do qual militaram os futuros dirigentes do MPLA, entre os quais Agostinho Neto, primeiro Presidente da República de Angola.

(11) No entanto, nos dias que correm nenhum militante do MPLA afirma ter sido membro do PCP. Interrogado sobre essa questão, um deles respondeu-nos em Lisboa que a frequentação dos meios comunistas em Portugal estava muito mais ligada à situação sócio-económica de alguns estudantes angolanos do que uma qualquer adesão aos princípios do comunismo. Aqueles que não tinham meios financeiros podiam comer e beber, dispondo de condições privilegiadas nos centros geridos por associações de estudantes (NT: elas mesmo o mais das vezes controladas pelo PCP).

(12) Só depois do 27 de Maio de 1977, após a tentativa de golpe de Estado de Nito Alves contra o Presidente Agostinho Neto, é que o MPLA passou a ser um partido do trabalho marxista-leninista. Esta mutação ideológica tinha como objectivo fomentar uma reconciliação com a União Soviética, apontada como tendo ajudado os insurrectos do 27 de Maio. O Presidente Samora Moisés Machel e a FRELIMO seguirão as pisadas do MPLA ainda nesse mesmo ano.

(13) No contexto de partido único.

(14) Trata-se aqui do testemunho de um alto responsável do MPLA, hoje exilado em Portugal. Mas, por razões particulares, comprometemo-nos a não revelar a identidade dos nossos informadores.

(15) Id.

(1183) Logo a seguir às independências dos Estados africanos, a guerra fria centralizou-se no continente africano.

(1184) Em nenhuma das tentativas de reconciliação entre os três movimentos foi abordada a questão crucial da partilha do poder e a gestão comum do país depois da libertação.

(1185) A 4 de Fevereiro.

BIBLIOGRAFIA

Jean Martial Arsène Mbah nasceu em Port-Gentil (Gabão) em 1962.

É licenciado em História contemporânea, no Departamento de História da Faculdade de Letras e Ciências Humanas (FLSH) da Universidade Omar Bongo (UOB) de Libreville. Em 1993 conclui em França, o seu mestrado em História Contemporânea pela Universidade de Poitiers, tendo posteriormente trabalhado em Coimbra, Portugal, como Erasmus Free Mover até Julho de 1994, como investigador do Centro de Documentação “25 de Abril” da Universidade de Coimbra.

Em Coimbra criou com outros estudantes africanos o grupo de Reflexão e Debate África (GREDA) que reunia também professores e investigadores portugueses. Regularmente vai a Portugal para continuar a sua pesquiza nos Arquivos da PIDE-DGS na Torre do Tombo; nos Arquivos Históricos Diplomáticos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, no Centro de Documentação “Amílcar Cabral” e na Fundação Mário Soares. Para este trabalho que foi a sua tese de Doutoramento, na Universidade de Paris I (Panthéon Sorbonne), em 2005 sob a direcção da Professora Hélène d’Almeida-Topor, fez pesquiza no Arquivo Histórico de Angola e entrevistou várias personalidades angolanas implicadas na luta anti-colonial.

Jean Martial Mbah tem participado com comunicações em vários colóquios em Angola, França e Portugal. É colaborador do CERAFIA de Libreville e investiga agora sobre relações entre Cuba e África.

 Um historiador que fez um trabalho notável como docente da Universidade Agostinho Neto.